Combate Classista

Teoria Marxista, Política e História contemporânea.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

STALINISMO NA RÚSSIA: ESTADO OPERÀRIO, TERMIDOR SOVIÈTICO E BONAPARTISMO

Anotações de estudo, primeiro semestre de 2010
Alessandro de Moura

           Fazemos uma breve análise acerca  da organização do movimento operário russo na década de 1920 e 1930, discutimos desde os primeiro giros à direita datroika Stalin, Kamenev e Zinoviev, passando pelo triunvirato Stalin, Rykov e Bukharin até a consolidação do período do terrorismo anti-soviético, ou a fase termidoriana. Além de destacarmos as bases socais do que ficou conhecido como stalinismo, ou seja a relação de dominação sobre o proletariado russo a partir da aliança politica-governamental dos Kulaks (camponeses ricos) e dos Nepmans (comerciantes ricos) com a burocracia anti-soviética, apontamos também de forma ligeira a relativa autonomia que Stalin adquiriu em relação a estes grupos dominantes, o que caracterizaria o período pós 1935 como a fase bonapartista do Governo anti-soviético.

Palavras chave: Operários. Kulaks, Nepmans. Stalinismo. Socialismo.

A TOMADA DO PODER É APENAS UM DECIMO DA REVOLUÇÃO
A tomada do Palácio de Inverno, em 25 de outubro de 1917, é desencadeada sem violência. Os bolcheviques queriam fazer a revolução sem um banho de sangue. Em dezembro de 1917, o II Congresso dos Sovietes aboliu a propriedade privada dos grandes latifúndios. Os comitês de fábricas e os comitês operários, com mandatos revogáveis pela base, geriam a produção. Em 1918 é decretada a expropriação da propriedade burguesa, com isso a burguesia é suplantada como classe, embora a Rússia ainda não fosse socialista, esta era a direção em que marchava.
Porém a burguesia e os latifundiários, por meio do exército branco restauracionista e suas nações aliadas não mediriam esforços ou custos humanos para depor o proletariado do poder, neste contexto dá-se inicio em 1918 a Guerra civil, um enfrentamento armado entre o proletariado e a burguesia (em unidade com o imperialismo mundial). Esta duraria não apenas dias ou semanas, mas sim cinco longos anos (1918-1921), sob o comunismo de guerra intensificou-se o ritmo de trabalho no país, tencionaram-se para produzi ao máximo para suprir com alimentos os soldados que combatiam contra 14 exércitos que invadiam a Rússia, os trabalhadores passam por mais um período de sacrifícios. A guerra e o comunismo de guerra contribuíram muito para o esgotamento da classe operária russa. Além disso, a guerra civil será responsável também pela eliminação de grande parte da vanguarda revolucionária operária e marxista.
Os bolcheviques colocaram acima de tudo a defesa da jovem república soviética. O que estava em jogo era a sobrevivência do Estado operário diante da guerra civil, que combinava o ataque dos Guardas Brancos com a invasão da Rússia por tropas estrangeiras. A situação exigia posições firmes e incisivas contra a burguesia, a aristocracia e seus agentes. Apenas em 1920, um ano antes do término da guerra civil, a pena de morte foi abolida. Também durante a guerra civil os bolcheviques se viram obrigados a proibir o funcionamento do partido Socialistas-Revolucionários e também dos mencheviques que co-organizavam o exército branco.
Em 1921 tem-se também a sublevação dos marinheiros de Krontadt contra os bolcheviques. Sobre ordem de Zinoviev, os marinheiros são reprimidos. Com todos os problemas desta intervenção, se destacar que os marinheiros de 1921 não eram os mesmo de 1917. A maior parte dos revolucionários de 1917, que tinham acúmulos imensos nas lutas contra o regime tsarista teria sido remanejada para travar batalhas em defesa do socialismo nascente, muitos sucumbiram na guerra civil, esta mudança de composição constitui elemento importante para compreender o porque da sublevação e a repressão. (confira os escritos de Trotsky sobre Krontadt).
Os desafios internos e externos para sustentar as conquistas de 1917 eram imensos, bem porque esta era a primeira revolução socialista da história da humanidade. A tomada do poder foi apenas o inicio do processo, agora tratava-se de extingui-lo para construção do socialismo. Trotski, no Balanço e perspectivas, afirmava que para construir o socialismo não bastava tomar o poder e fazer decretos. Nas palavras do auto O poder político não é todo-poderoso. Seria absurdo acreditar que basta ao proletariado, para substituir o capitalismo pelo socialismo, tomar o poder e fazer em seguida alguns decretos. Um sistema econômico não é o produto de medidas tomadas pelo governo. Tudo quanto o proletariado pode fazer é utilizar com toda a energia possível o poder político para facilitar e encurtar o caminho que conduz a evolução econômica para o coletivismo”.
V. I. Lênin e Leon Trotski defendiam que para revolução proletária triunfar, estabelecer o socialismo e marchar para o comunismo era necessário que a revolução se espalhasse pelo mundo, ganhava centralidade então o sucesso da revolução na Alemanha. Trotski, ainda no Balanço e perspectivas,  destacava  que: “Sem o apoio estatal direto do proletariado europeu, a classe operária russa não poderá manter-se no poder e transformar a sua dominação temporária em ditadura socialista durável. Sobre isto, dúvida alguma é permitida. Mas também não há dúvida nenhuma de que uma revolução socialista no ocidente tornar-nos-á diretamente capazes de transformar a dominação temporária da classe operária numa ditadura socialista”.
 Porém a posição revolucionária fora traída na Alemanha em 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht teóricos e dirigentes revolucionários foram assassinados. Assim, a derrota da revolução no Ocidente (Alemanha e Hungria) e no Oriente (China), durante a década de 1920, isolou a revolução russa.
A Rússia ainda não era socialista Lênin utilizava caracterizações que muitas vezes eram aparentemente contraditórias para definir o que era a Rússia em transição: “Estado operário”, “Estado operário e camponês”, “Estado burguês sem burguesia” e outras. Assim também como o próprio Lênin reconhecia o avanço da burocratização do partido por conta do isolamento da URSS. Lênin afirmara “Não se trata de um estado completamente operário, aí está o x da questão (...) Em nosso país, o Estado não é, na realidade, operário, e sim operário e camponês" (https://www.marxists.org/portugues/lenin/1920/12/30.htm). No texto “A crise do partido”, de 30 de dezembro de 1920: De fato nós temos um Estado operário, 1º, com a particularidade de que não é a população operária mas a população camponesa que predomina no país; e 2º, um Estado operário com uma deformação burocrática” (v. 5, p. 215).  Em texto de 1922, Lênin mantém sua análise de que o Estado  soviético sustentava deformações burocráticas. (https://www.marxists.org/portugues/lenin/1922/01/04.htm). Isso porque Lênin tinha claro que para que a humanidade desse um salto na direção de sua emancipação na construção do socialismo, como uma sociedade baseada na autoorganização das capacidades humanas como forcas próprias, ou controle coletivo livre, autoconsciente e universal dos trabalhadores sobre o processo de produção, a revolução proletária não poderia limitar-se a um país só.
Também é clássica a afirmação feita por Trotski no livro A revolução traída sobre o caráter e limitações do Estado operário russo: “A princípio, o Estado operário não pode ainda permitir a cada um trabalhar ‘segundo suas as capacidades’, o que significa fazer o que quiser e puder, nem recompensar cada um ‘segundo as suas necessidades’, independentemente do trabalho fornecido. O interesse do crescimento das forças produtivas obriga a recorrer às habituais normas do salário, isto é, à repartição de bens segundo a quantidade e a qualidade do trabalho individual” (p. 35). Assim, para o autor a União Soviética era uma sociedade intermediária entre o capitalismo e o socialismo”. (p.176).
PERSEGUIÇÃO AOS REVOLUCIONÁRIOS E O AVANÇO DO STALINISMO
Mesmo com o fim a guerra civil em 1921, as contradições sociais não cessaram. Dentro desse processo, desenvolveram-se importantes lutas internas no país, primeiro pelo restabelecimento das forças produtivas que ficaram arrasadas com a guerra. Depois ter-se-ia que combater elementos contraditórios gerado pela política criada em 1921 para a reconstrução do país a NEP – Nova Política Econômica.
Em 1922 Lênin adoece, a direção do partido é assumida pela troika Stalin, Kamenev e Zinoviev, que em 1925 será sucedida pelo triunvirato Stalin, Rykov e Bukharin, que se mantém no poder 1928. Durante esse período a revolução russa, que estava ainda na sua fase inicial, será estagnada e totalmente redirecionada. Lênin em seu “testamento político” recomenda ao congresso do partido o imediato afastamento de Stalin da Secretaria Geral, porém atroika censurou o documento.
A tendência contra-revolucionária da troika é combatida pela “ala” esquerda do Parido e recua em alguns momentos. Em 1923 os bolcheviques revolucionários lançam a “Declaração dos quarenta e seis” exigindo a democratização do partido (que burocratiza-se a largos passos) e mudanças na política econômica do país. Com a derrota da revolução alemã em 1923 o isolamento da Rússia é consolidado, com isso a troika sai fortalecida. A derrota da revolução alemã leva a marca da troika. Zinoviev então presidente da internacional negara apoio ao proletariado alemão, o que contribuiu para que se desse o massacre do proletariado em 1923. A partir de 1924 a ala mais conservadora do Partido Bolchevique chega ao controle do processo revolucionário, desse ano em diante tem-se o desenvolvimento progressivo do Termidor Soviético.
Em 1926 a URSS acumula uma série de contradições sociais que evoluem progressivamente, colocando em risco as conquistas da revolução de outubro e a própria possibilidade de colaboração do proletariado russo para uma revolução mundial. Trotski analisa que o Partido Bolchevique não está pronto para resistir às ameaças contra-revolucionárias que se desenvolvem internamente na Rússia, tenta então identificar as principais tendências contrarevolucionárias e formas organizativas que possibilitem combatê-las.
Em suma, pensado o processo revolucionário russo a luz de outros processos revolucionários já decorridos, como a Revolução Francesa, Comuna de Paris, a Revolução de 1905 a Revolução de outubro de 1917, em meio aos descaminhos da revolução russa após a morte de Lênin, Trotski elabora em 1926 o texto Tese sobre a revolução e contra-revolução, onde além de lições históricas dos processos revolucionários faz um breve balanço da revolução russa.
O autor destaca que a revolução é impossível sem a participação das massas em grande escala, e que a revolução sempre sofre um período de contra-revolução. Porém, mesmo com retrocessos, a contra-revolução não consegue fazer retroceder a revolução até o seu ponto inicial. As massas revolucionárias depositam sempre muitas esperanças de um futuro melhor na revolução. Por isso Trotski afirma que as esperanças desencadeadas pela revolução são sempre exageradas, o que dificulta ainda mais a realização das expectativas gerais da massa revolucionária.
Segundo o autor a revolução de massas sempre apodera-se “de muito mais do que mais tarde será capaz de manter”. Desta forma, todo processo revolucionário produz um quantun de desilusão nas massas revolucionárias, uma vez que “A desilusão destas massas, seu retorno à rotina e a futilidade, é parte integrante do período pós-revolucionário tanto como a passagem ao campo da ‘lei e da ordem’ daquelas classes ou setores de classe ‘satisfeitos’, que haviam participado na revolução.” Como a motivação de estratos sociais podem variar, grupos podem satisfazer-se com diferentes níveis das conquistas do processo revolucionário. Assim, ao atingir sua demanda, parte das pessoas que apoiaram a revolução ontem, após as primeiras conquistas pode deixar de apoiar seu avanço. Soma-se a isso, o sentimento de desilusão causado pela projeção de expectativas imediatas exageradas sobre o processo revolucionário, articulado com o esgotamento físico e psicológico das massas combatentes. Essa soma de elementos sociais aumenta a confiança das frações contra-revolucionárias, produzindo um terreno muito propicio para que as forças contrarevolucionárias cresçam. Para o autor
A desilusão de um setor considerável das massas oprimidas com os benefícios imediatos da revolução e – diretamente ligado a isto – o declínio da energia política e da atividade da classe revolucionária desencadeia um ressurgimento da confiança entre as classes contra-revolucionárias, tanto entre aqueles derrotados pela revolução mas não completamente aniquilados como entre aqueles que ajudaram a revolução num certo momento, mas foram jogados ao campo da contra-revolução pelo devir da revolução.
Trotski analisa que na Rússia também  houve uma fase de desilusão nas massas revolucionárias com os frutos imediatos da revolução, diretamente relacionados com a melhora das condições de vida, o proletariado continuava revolucionário, porém mais cético e cuidoso. Isto somado ao esgotamento físico e psíquico de revolucionários que fizeram duas revoluções (1905 e 1917) e lutaram numa prolongada guerra civil (1918-1921) produziu certamente o “declínio da energia política e da atividade da classe revolucionária”, ao qual Trotski se refere.
Porem, ainda assim, a contra-revolução não conseguira avançar devido o alcance e profundidade da revolução de outubro e também por causa de sua direção proletária, “as velhas classes e instituições dominantes de ambas as formações sócio-econômicas – a pré-capitalista e a capitalista (a monarquia com sua burocracia, a nobreza, e a burguesia) – sofreram uma derrota política total”. Mesmo com a invasão da Rússia por exércitos estrangeiros, ou seja com a reação armada das classes dominantes nacionais e internacionais, a contrarevolução não conseguiu derrubar  a ditadura do proletariado.  Assim, um importante elemento que impedia a restauração, tanto do absolutismo como da burguesia no país era justamente a destruição completa das velhas classes dominantes, esta “é uma das garantias contra o perigo da restauração”.
O campesinato pobre, os mujiques, diretamente beneficiados pela divisão do latifúndio levada a cabo pelo proletariado articulado nos sovietes e pelo Partido Bolchevique, constituíam base social importante para impedir a restauração da monarquia e dos latifundiários. Os camponeses pobres, que eram a maioria entre os camponeses tinham “interesse material direto (...) em manter em seu poder as antigas grandes estâncias”.
Porém, se os mujiques eram um impeditivo social e material para a restauração do latifúndio, isolados da luta proletária, a defesa da pequena propriedade fazia deles uma pequena burguesia. Nesse sentido, o proletariado dada sua relação social com a propriedade privada, ainda era a principal classe para fazer avançar a revolução socialista com a suprasunção da propriedade e manutenção da propriedade coletiva.  Desta forma, o perigo da restauração residia justamente no desenvolvimento no seio do proletariado de falta de interesse em manter o regime socialista na indústria e do conseqüente distanciamento e separação do proletariado do campesinato. Isso arriscaria a possibilidade de avanço do socialismo e lançaria bases para a restauração.
Embora o comunismo de guerra tivesse provocado o estrangulamento das tendências pequeno-burguesas latentes na economia camponesa, a NEP – Nova Política Econômica, que tinha por fim aumentar a produção agrícola para melhorar a qualidade de vida do proletariado russo, ao estabelecer que quem produzisse mais ganharia mais, possibilitou que uma camada de produtores acumulasse capital.
Com a introdução de elementos capitalistas na Rússia criou-se terreno para repor elementos de diferenciação de classes no campo e na cidade. Os camponeses acumulavam e com isso desenvolveu-se o comércio de produtos agrícolas nas cidades, os comerciantes, por sua vez também acumulavam, assim criara-se classes abastadas: o Kulak (camponês rico), e o Nepman (comerciante abastado). Desta forma, “Os camponeses, tendo vivido seus esforços econômicos como produtores de mercadorias privadas que compram e vendem, recriaram inevitavelmente os elementos da restauração capitalista. A base econômica para estes elementos é o interesse material dos camponeses em obter altos preços para os grãos e baixos preços para os produtos industriais”. Enquanto isso, o pequeno camponês, o mujike (camponês pobre), pagava mais impostos que os camponeses ricos.
Em conseqüência de tal problemática conjugada, Trotski analisa que “A NEP reviveu as tendências contraditórias pequeno-burguesas entre o campesinato, com a consequente possibilidade de uma restauração capitalista”. Lênin anteriormente calculava esta possibilidade, afirmava que a NEP introduzindo elementos capitalistas na produção e na circulação, seria um passo atrás para dar dois passos a frente. A venda dos produtos agrícolas era uma forma de estimular a produção para livrar a Rússia da fome, era calculado que tal política geraria diferenciações sociais no país, por isso, inevitavelmente suas conseqüências deveriam ser reparadas futuramente. Mas, estas tendências não estavam sendo contidas, ao invés disso, no leme do Estado, Bukarin, propagava “Kulaks enriquecei-vos”, como forma de estimular a produção agrícola, difundia-se que com a tomada do poder 90% da revolução já estava assegurado, tratava-se de desenvolver a economia, para estes o acumulo do Kulaks e dos Nepman não podia oferecer perigo ao desenvolvimento do socialismo. A combinação destes elementos aos poucos lançava bases para fortalecer as possibilidades de fortalecimento das “alas” restauracionista. Desta forma para Trotski,
Os elementos políticos da restauração são recriados através do capital comercial, que restabelece as conexões entre o campesinato disperso e fragmentado, por um lado, e entre o campo e a cidade, por outro. Com os estratos superiores das aldeias atuando como intermediários, o comerciante organiza uma greve contra a cidade. Isso se aplica em primeiro lugar, naturalmente, ao capital comercial privado, porém em grande medida também se aplica ao capital comercial cooperativo, com seu pessoal, que tem muita experiência no comércio e uma inclinação natural em favor dos Kulaks.
A abertura para o comércio incorporaram a Rússia ao sistema do mercado mundial. Os Kulaks e os Nepman têm relações diretas com setores dirigentes do Partido Bolchevique, articulados com a burocracia do Partido, diretamente beneficiados pelas contradições da sociedade russa, buscaram criar mecanismos que prolongassem tal estado de coisas, e que assim assegurassem seus privilégios e benefícios. Para a manutenção de tais benesses era necessário manter as coisas como elas estavam, passar de um Estado de revolução permanente para um Estado de conservação. Os elementos mais conservadores da sociedade russa passam a buscar desmobilizar a todo custo as alas revolucionárias da sociedade. Pois, se a busca por transformações constantes na sociedade russa continuasse, os Nepman, os kulaks e a burocracia inevitavelmente perderiam suas posições de privilégio frente à classe trabalhadora.
Buscando prevenir-se contra a possibilidade de novos ascensos revolucionários do proletariado, desde 1925, com Kamenev, Stalin e Zinoviev, mas também o triunvirato Stalin, Rykov e Bukharin, articulado com os Nepman, os kulaks e a burocracia estatal, impulsionam uma campanha de amplo alcance afirmando e difundindo interna e internacionalmente que o socialismo já avia sido atingido, que estavam sob o “socialismo real”, estes setores passam a afirmar que o socialismo era possível num só pais. Os marxistas revolucionários dentro e fora da Rússia entenderam que e essa era uma ruptura profunda com o materialismo histórico dialético. O “socialismo num só pais” defendia como constitutivo do socialismo real o enriquecimento progressivo dos Kulaks dos Nepmans e os privilégios do corpo político-administrativo do Estado operário. Nesse sentido, quem questionava o “socialismo real” era denunciado por estes setores como “traidor da revolução”, sendo perseguido, preso e assassinado.
Mas este processo de capitulação ao “socialismo num só país” não era homogêneo, grupos sociais se organizaram contra a reação articulada em torno da teoria do socialismo num só país. A forma de superar os problemas colocados pelo passo atrás, desenvolvimento do comércio, a diferenciação social era desenvolver bases mais sólidas dentro proletariado, ampliando a participação operária no governo, fazendo a revolução avançar por meio de seu ativismo político, além disso era necessário instituir imposto progressivo aos Kulaks, fazendo com que este pagassem mais impostos que os mujikes como forma de fazer atrofiar a desigualdade econômica entre esses grupos, e ainda conceder isenção de impostos aos 40% do campesinato mais empobrecido. Pois, para Trotski, frente às adversidades postas, o principal perigo seria “ignorar os perigos de classe, passa por cima deles, e combate qualquer tentativa de chamar a atenção sobre eles. Deste modo adormece a vigilância e reduz a disposição de combate do proletariado”.
Embora fosse necessário, para um diagnóstico sincero e profundo das condições da luta proletária na Rússia, considerar que o proletariado estava em 1926 “consideravelmente menos receptivo às perspectivas revolucionárias e às amplas generalizações do que durante a Revolução de Outubro e os anos que a seguiram”. Para Trotski o partido revolucionário não poderia “se adaptar passivamente a todas as mudanças no estado de ânimo das massas. Mas este também não deve ignorar as alterações produzidas por causas históricas profundas”. O partido deveria ter um programa e uma estratégia revolucionária para a luta pela emancipação humana.
Trotski entendia que o Partido Comunista Russo tinha grande responsabilidade em manter os ânimos revolucionários do proletariado enquanto a revolução socialista não eclodisse em outros pais do globo. Principalmente por que a “A velha geração da classe trabalhadora, que fez duas revoluções, ou fez a última, começando em 1917, está sofrendo de esgotamento nervoso, e uma porção substancial deles teme qualquer nova convulsão, com sua perspectiva concomitante de guerra, destruição, epidemias e tudo o mais”. O Partido, para manter viva a luta do proletariado por seu programa histórico, necessitava criar e recriar constantemente bases sócias revolucionárias. Buscar fazer avançar os elementos mais revolucionários e dispostos das gerações anteriores, que fizeram a revolução de 1905 e 1917, e ainda, era necessário formar as novas gerações na perspectiva da revolução permanente. Necessitava-se de uma vanguarda revolucionária que trabalhasse intensamente para reanimar a classe trabalhadora como forma de aprofundar a revolução, contra a burocracia estatal do Partido, contra os Kulaks e os Nepmans. Porém as gerações mais velhas estavam sendo isoladas do Partido, dando lugar aos elementos mais conservadores, e as novas gerações portadoras de animo e disposição revolucionária não estavam encontrando espaço dentro do Partido.
A jovem geração, que está amadurecendo somente agora, carece de experiência na luta de classes e da têmpera revolucionária necessária. Não explora por si mesma, como fez a geração anterior, porém fica imediatamente envolvida pelo ambiente das mais poderosas instituições do governo e do partido, pela tradição do partido, a autoridade, a disciplina etc. No momento isto dificulta que a jovem geração cumpra um papel independente. A questão da correta orientação da jovem geração do partido e da classe trabalhadora adquire uma importância colossal.
A articulação do Partido com os elementos mais conservadores, com progressivo isolamento dos revolucionários e a falta de espaço para atuação da juventude revolucionária certamente tinha como objetivo maior manter o equilíbrio do poder dos grupos dominantes na Rússia. O Partido Estatal optou abertamente pela manutenção das políticas de beneficiamento social-econômico dos Kulaks dos Nepmans e aumento progressivo da influencia e das liberdades dos grupos mais conservadores dentro do Partido. Nesse período
(...) teve lugar um aumento extremo do papel exercido no partido e no aparato do Estado pela categoria especial dos velhos bolcheviques, que eram membros ou trabalharam ativamente no partido durante o período de 1905; que depois, no período da reação, deixaram o partido, se adaptaram ao regime burguês e ocuparam postos mais ou menos destacados no mesmo; que eram defensistas, como toda a intelligentsia burguesa; e que, junto com esta última, foram impulsionados adiante na Revolução de Fevereiro (com a qual nem sequer sonhavam ao princípio da guerra); que foram ferrenhos oponentes do programa leninista e da Revolução de Outubro; porém que retornaram ao partido depois que a vitória esteve assegurada ou depois da estabilização do novo regime, na época em que aintelligentsia burguesa deteve sua sabotagem. Estes elementos, que se reconciliaram mais ou menos com o regime czarista depois de seu golpe contra-revolucionário em 13 de Junho de 1907, por sua própria natureza não podem ser mais que elementos de tipo conservador. Estão a favor da estabilização em geral e contra a oposição em geral. A educação da juventude do partido está na sua maior parte em suas mãos. (...) Tal é a combinação de circunstâncias que no período recente do desenvolvimento do partido determinou a reorganização da direção do partido e o deslocamento da política do partido para a direita.
 Partir da análise das principais tendências que envolviam o Partido e a sociedade russa pós-1917, a influência dos Kulaks, dos Nepmans e da burocracia, Trotsky pontuou elementos centrais que contribuíam para a restauração, ou criavam base para a restauração burguesa: “(a) a situação do campesinato, que não deseja o regresso dos latifundiários, mas que ainda não tem interesses materiais no socialismo (aqui se mostra a importância de nossos laços políticos com os camponeses pobres); (b) o estado de ânimo de um setor considerável da classe trabalhadora, a diminuição de sua energia revolucionária, a fadiga da velha geração, o aumento do peso específico dos elementos conservadores”.
Por outro lado, o autor também elenca os elementos que considerava se colocavam contra qualquer tentativa de restauração capitalista, estes eram: “(a) o temor do mujik de que o latifundiário voltará com os capitalistas, do mesmo modo que fugiu com os capitalistas; (b) o fato de o poder e os mais importantes meios de produção permanecerem efetivamente nas mãos do Estado operário, ainda que com deformações extremas.; (c) o fato de que a direção do Estado realmente permanece nas mãos do Partido Comunista, mesmo quando este reflita as mudanças moleculares das forças de classe e os variáveis estados de ânimo político”. O Estado Russo se caracterizava como um Estado operário degenerado, que estagnava o avanço da revolução proletária, mas que ainda não havia juntado forças para um forte contragolpe restauracionista.
A via contrarevolucionária continuou a fortalecer-se. E entre 1926 e 1927 consolidou-se no poder na Rússia, nas palavras de Trotski em A revolução traída “uma casta incontrolável, estranha ao socialismo”, o partido governante articulava-se com os setores conservadores e reformistas em ataque direto contra o proletariado e os grupos opositores e semi-opositores, bem como aos elementos isolados que mantiveram atitude critica frente ao termidor soviético. Apostou-se tudo nos Kulaks (camponeses ricos) e nos Nepman (novos ricos). Segundo a nova análise de Trotsky, no texto Estado operário, termidor e bonapartismo escrito em 1935 no exílio
O burocratismo soviético (seria mais correto dizer anti-soviético) é o produto das contradições sociais entre a cidade e a aldeia, entre o proletariado e o campesinato – estas duas classes de contradições não são idênticas –, entre as repúblicas e os distritos nacionais, entre os diferentes grupos do campesinato, entre as distintas camadas da classe operária, entre os diversos grupos de consumidores e, finalmente, entre o Estado soviético de conjunto e seu entorno capitalista.
        Em meio à uma infinidade de contradições sociais e políticas a ditadura do proletariado foi substituída, por meio de prisões, deportações, desaparecimentos misteriosos, e fuzilamentos armados, por uma ditadura burocrática, apoiada hora centralmente nos kulaks hora centralmente nos nepmans. “Elevando-se por cima das massas trabalhadoras a burocracia regula estas contradições. Utiliza esta função para fortalecer seu próprio domínio. Com seu governo sem nenhum controle, sujeito unicamente a sua vontade, a burocracia acumula novas contradições. Explorando-as cria o regime do absolutismo burocrático”. Em prol destes o poder executivo foi concentrado e subaltenizado ao capital financeiro. Com tudo isso, na revolução soviética se deu um giro à direita, ainda que em um ritmo lento e formalmente dissimulado.

Trotski debate ainda com o grupo “Centralismo Democrático” (V.M. Smirnov, Sapronov e outros, aos quais foram perseguidos no exílio até a morte), apontando as divergências entre o grupo e a “Oposição de Esquerda”. O grupo “Centrismo Democrático” de Smirnov defendia
(...) o atraso na industrialização, o avanço do kulak e do nepman (os novos burgueses), a ligação entre eles e a burocracia e, finalmente, a degeneração do partido teriam progredido tanto que seria impossível voltar à construção socialista sem uma nova revolução. O proletariado já havia perdido força. Com o esmagamento da Oposição de Esquerda, a burocracia começaria a expressar os interesses de um regime burguês em reconstituição. Teriam sido liquidadas as conquistas fundamentais da Revolução de Outubro. Esta era a essência da posição do grupo “Centralismo Democrático”.
Porém para a Oposição de Esquerda, segundo Trotski, a burocracia que se consolidava no poder com base centrada nos Kulaks e nos Nepman, também tinham interesses conflitantes. Os kulaks, em 1927, exigindo maiores concessões do governo, com apoio da ala direita do PCUS golpearam a burocracia negando-se a provê-la de pão, que concentravam em suas mãos. Para a Oposição de Esquerda “Eram inevitáveis outras rupturas nas fileiras burocráticas”.
Em 1928 a burocracia se dividiu abertamente. A direita estava a favor de maiores concessões ao kulak. Os centristas, armados com as idéias da Oposição de Esquerda, as mesmas que haviam caluniado em coro com a direita, se apoiaram nos trabalhadores, tiraram do meio a direita e tomaram o caminho da industrialização e, conseqüentemente, da coletivização. Finalmente se salvaram as conquistas sociais básicas da Revolução de Outubro, ao custo de inumeráveis e desnecessários sacrifícios.
Na perspectiva da Oposição de Esquerda “o setor mais importante da burocracia centrista se inclinaria ante os operários em busca de apoio contra a burguesia rural em avanço. Ainda estávamos muito longe da solução final do conflito. Era prematuro enterrar a Revolução de Outubro”. Em meio a tais processos a URSS tornou-se uma sociedade de transição contraditória, embora tivesse elementos de negação capitalista, como os meios de produção nacionalizados, mantinha também desigualdade das condições de vida com grandes privilégios a burocracia, aos Kulaks e os Nepmans, a URSS se mantinha muito mais próxima do regime capitalista do que do futuro socialismo. Porém ainda portava condições para avanço das conquistas dos trabalhadores se conseguisse liquidar a burocracia e a desigualdade social.
Nesse sentido, segundo o revolucionário, dois caminhos se colocavam, à URSS; a busca do socialismo a restauração capitalista. O passo seguinte do Partido Comunista Russo definiria os rumos desta disputa. Internamente o partido sobre a égide stalinista inicia uma onda de perseguições e fuzilamentos para calar os revolucionários, críticos e descontentes. Victor Serge, que fora membro do Partido Bolchevique, exilado no México em 1947 no livro O ano I da revolução russa afirma que até 1928 havia mais de 30 mil presos políticos na Rússia, mas, segundo o autor, este número cresceu assustadoramente até 1947 para cerca de 10 a 12 milhões! Eliminando os revolucionários aos milhares, quebrando a resistência socialista, cada vez mais aumentava a distância entre a Rússia e o socialismo.
Os dirigentes e intelectuais da tradição marxista revolucionária se agruparam em torno de Trotsky criando um grupo de oposição. Já durante a segunda metade da década de 1920 as obras de Trotsky foram proibidas e queimadas na Rússia. Exilando-se em vários países, mas ainda combatendo o regime stalinista e defendendo a emancipação humana Trotsky fora perseguido e finalmente assassinado no México em 1940. Sobre tal contexto analisa Serge:
(...) O grande fato essencial é que em 1927 e 1928, por meio de um golpe de força perpenetrado dentro do partido, o estado-partido revolucionário torna-se um estado-policial-burocrático, reacionário, sobre o terreno social criado pela revolução. A mudança de ideologia se acentua violentamente. O marxismo das fórmulas vulgares, elaboradas pelas repartições, substitui o marxismo critico dos homens pensantes. Instaura-se o culto do Chefe. O “socialismo num só país” se torna o clichê chave-mestra dos adventícios que nada mais querem além de manter os próprios privilégios. O que as oposições mal entrevêem, angustiados, é que se desenha um novo regime, o regime totalitário. A maioria dos velhos bolcheviques, que havia derrotado a oposição trotskista, os Bukharin, Rykov, Tomski, Riutin, ao se aperceberem disso se apavoraram e passaram também para resistência. Tarde demais. (p.426-427).
A contra revolução avança a passos largos, mas cresce também a oposição à perspectiva teórico-política stalinista. A cúpula de Stalin elabora nova estratégia de contenção e silenciamento violento da oposição crescente. Inicia-se então mais dez anos de repressão, exílio, prisão e fuzilamentos com crivo estatal. De 1927 a 1937 a cúpula impõem então um extenso expurgo no partido em âmbito nacional e internacional, extirpando os revolucionários, Nesta fase elimina desde a raiz os que viveram a experiência da revolução, atinge-se inclusive a geração intermediária adepta ao bolchevismo e que engajava-se na perspectiva marxista revolucionária. Sabia-se que o stalinismo não poderia triunfar na Rússia caso não se eliminasse a geração revolucionária. Produz-se então uma ruptura sangrenta entre bolchevismo e stalinismo. Sobre os elemento de ruptura entre bolchevismo e stalinismo confira o artigo de Bernardo Cerdeira Bolchevismo e stalinismo: um velho debate.[9]

O MASSACRE DOS REVOLUCIONÁRIOS RUSSOS DURANTE A DÉCADA DE 1930
Na década de 1930 intensificam-se as perseguições, prisões e assassinatos dos revolucionários. Coggiola no artigo Trotsky, a ascensão do nazismo e o papel do stalinismo[10] discutindo ascensão do nazismo, bem como o acordo do stalinismo com Hitler e depois do stalinismo com o imperialismo, coloca elementos importantes para um dimencionamento dos processos decorridos no período. Segundo o autor
Em 1931, o “caso” de Syrtsov e Lominadzé, (...) foram acusados de formar um “bloco anti-partido” (os dois dirigentes acusavam à direção do partido de “tratar operários e camponeses à maneira dos barines”: foram excluídos do CC [Comite Central]); em 1932, o “affaire Riutin”, do nome do dirigente que apregoou a descoletivização, a reintegração dos excluídos do partido, e a destituição de Stalin (descoberto, Riutin foi excluído do partido, assim como Zinoviev e Kamenev; há também numerosas detenções, mas o Bureau Político recusou executá-lo, como Stalin queria).
         Coggiola destaca que em 1934 formou-se uma nova coalizão contra Stalin, 270 delegados votam contra Stalin. A oposição escolhe um substituto Sergo Kirov, porém em 1º de dezembro de 1934 este é assassinado. O assassinato de Kirov foi utilizado como pretexto para a deflagração de um processo de repressão e fuzilamentos em massa, “com leis de exceção, milhares de deportados na Sibéria (remetidos nos chamados “trens de Kirov”), todos “suspeitos” de complô para assassinar Kirov... (...) A repressão em massa acabou com a ‘sociedade dos velhos bolcheviques’.” (p. 12). Colaboradores da primeira fase do stalinismo, por mudar de posição, também são fuzilados. Em 1935 Kamenev é “julgado” e fuzilado no Processo de Moscou, em 1936 é a vez de Zinoviev, Rykov e Bukharin que tiveram o mesmo destino.
Mesmo frente a todos estes processos contra-revolucionários, entendendo que a o stalinismo operou a substituição de um regime revolucionário por outro contra-revolucionário “através de uma série de medidas, de pequenas guerras civis da burocracia contra a vanguarda operária”. Trotsky, ainda exilado, continuava acreditar na possibilidade da derrubada do stalinismo com liquidação da casta burocrática, com retomada da ditadura proletária e da marcha para o socialismo. No texto Estado operário, termidor e bonapartismo escrito em 1935, citado anteriormente, o autor afirma:
Ao mesmo tempo afirmamos que, a pesar da monstruosa degeneração burocrática, o Estado soviético continua sendo o instrumento histórico da classe operária na medida em que garante o desenvolvimento da economia e da cultura com base nos meios de produção nacionalizados e, em virtude disso, prepara as condições para uma genuína emancipação dos trabalhadores, através da liquidação da burocracia e da desigualdade social.
Mas a contra-revolução empreenderia um novo avanço. Em junho de 1937, tem novo impulso a condenação e execução da cúpula do Exército Vermelho. De acordo com Coggiola “além dos remanescentes da velha guarda bolchevique, foram eliminados 98 dos 117 membros do Comitê Central eleito em 1934, 1108 dos 1966 delegados ao XVII Congresso, 4 membros do Bureau Político, 3 dos 5 membros do Bureau de Organização”. (p. 12).
Ainda segundo o autor “o massacre abrangeu todos os antigos opositores e suas famílias, 90% dos quadros superiores do Exército Vermelho, todos os dirigentes da polícia política antes de Ekhov, a maioria dos comunistas estrangeiros refugiados na URSS (no total, houve de 4 a 5 milhões de detenções, um soviético para cada 17 foi detido, um para cada 85, executado)”. (p. 11-12). Ainda segundo o autor, mais de 35 mil dos oficiais do exército vermelho foram assassinados. (p. 12). Victor Serge destaca que além do fuzilamento dos bolcheviques mais conhecidos também “Outros, menos célebres, morreram, às centenas e milhares, fuzilados sem processo.” (p. 21). E fevereiro de 1935 Trotski analisa: “a URSS de hoje se parece muito pouco com a república soviética que descreveu Lênin em 1917 (nem burocracia nem exército permanentes, direito de revogação a qualquer momento dos funcionários eleitos e controle ativo das massas sobres eles “independentemente de quem sejam os indivíduos” etc.). O domínio da burocracia sobre o país e o de Stálin sobre a burocracia são quase absolutos”. A sociedade soviética aproximava-se muito mais do capitalismo do que do socialismo. Ao mesmo tempo Trotski afirmava que mesmo com toda degeneração burocrática o Estado soviético continuava “sendo o instrumento histórico da classe operária na medida em que garante o desenvolvimento da economia e da cultura com base nos meios de produção nacionalizados e, em virtude disso, prepara as condições para uma genuína emancipação dos trabalhadores, através da liquidação da burocracia e da desigualdade social”. Nesse sentido, o autor afirma que Stalin, num bonapartismo soviético, sustentava-se sobre uma política oscilante.
Stálin não somente preserva as conquistas da Revolução de Outubro contra a contra-revolução feudal-burguesa, mas também contra as reivindicações dos operários, sua impaciência, seu descontentamento; esmaga a ala esquerda, que expressa as tendências históricas progressivas das massas trabalhadoras sem privilégios; cria uma nova aristocracia através da extrema diferenciação dos salários, de privilégios, hierarquias etc. Apoiando-se nos setores superiores da nova hierarquia social contra os mais baixos – e às vezes ao contrário – Stálin conseguiu concentrar totalmente o poder em suas mãos.
Com tal massacre ficava livre o caminho para a conciliação stalinista, com a defesa intransigente do socialismo num só país, e da revolução por etapas por meio da aliança com as “burguesias nacionais progressistas”, ao invés do apoio a auto-organizacão dos trabalhadores, desta forma o stalinismo obteve êxito em bloquear e/ou estrangular os desenvolvimentos revolucionários. Certamente, se o proletariado entrasse numa fase de vitórias revolucionárias pelo mundo, a casta dominante da Rússia seria defenestrada do poder. Porém para além do controle interno do país, com a consolidação de alianças contrarevolucionárias, com conseqüente esmagamento do revolucionários, o Comintern bloqueava também as revoluções proletárias em outros países, forçando a aliança do operariado com setores da burguesia. Desta forma, para Trotsky os elementos se combinavam, “O que mais debilita a luta da vanguarda proletária da URSS contra o bonapartismo são as constantes derrotas do proletariado mundial. (...) A causa principal das derrotas do proletariado mundial radica na criminosa política da Comintern, cega servente do bonapartismo stalinista e ao mesmo tempo a melhor aliada e defensora da burocracia reformista.”
Sem considerar o que se passava no Partido Comunista da União Soviética (PCUS) na década de 1930, com a consolidação do bonapartismo soviético a partir de 1935, fica muito mais difícil entender o que aconteceu na Espanha e na China durante a década de 1930. Para além das alternativas revolução 'republicana' ou 'democrática', a atuação dos marxista revolucionários na Espanha, inspirada na experiencia russa de 1917,  era contundente: nem revolução republicana nem revolução democrática burguesa, mas sim, autoorganização proletária para revolução socialista. A atuação dos stalinistas insistiu até o fim na aliança com frações da burguesia defendendo a revolução democrática burguesa baseados na tese menchevique, já defendida na China em 1927, de que existiriam países “maduros” e “não maduros" para o socialismo.
Para os marxistas revolucionários  os desafios eram imensos, combater a via republicana e a via stalinista, que combatia os revolucionários e pactuavam com os social-democratas na defesa de uma "semi-revolução" que favorecia as classes possuidoras. Assim,  na Espanha desencadearam-se "duas contra-revoluções": a franquista e a mais pérfida, a que levou adiante o stalinismo no maio catalão de 1937 liquidando o melhor da vanguarda espanhola, entre ela estava Andrés Nin e os centristas (que oscilam entre reforma e revolução) do POUM.

Tratava-se de buscar discutir a realidade social e as demandas históricas do proletariado espanhol, utilizando-se das experiencias de auto-organização dos trabalhadores russos em outubro de 1917, a ponto de o proletariado espanhol passar a buscar transformar conscientemente esta revolução híbrida, confusa, em revolução contra o Estado monárquico, republicano, democrático-burguês, em uma revolução socialista, criando por meio da auto-organização dos trabalhadores e trabalhadoras em comitês de fábrica, coordenações, sovietes etc., um Estado operário em marcha para o socialismo. O confronto foi sangrento uma multidão de revolucionários deram a vida pela revolução que acabou por não sendo vitoriosa. Triunfou a via stalinista pactuada com a social-democracia, uma pseudo-democracia com conseqüente "aborto da revolução proletária”.


REFERÊNCIAS
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[1]              Confira: Bolchevismo e stalinismo: um velho debate. Disponível no site: http://www.revistaoutubro.com.br/edicoes/03/out3_06.pdf
[2]              Trotsky, a ascensão do nazismo e o papel do stalinismo. Disponível no site: http://www.rebelion.org/docs/9198.pdf
[3]              Para além das indiscutíveis contribuições filosóficas e literárias do autor ao campo da produção marxista, há de se considerar também sua atuação como político marxista e suas formulações neste campo, dadas relações dialéticas entre teoria e pratica efetiva. Nesse sentido, cientes de que o autor não pode ser tomado exclusivamente em virtude seu apoio ao stalinismo, não nos furtamos a criticar sua atuação. O filósofo Hungaro Lukács, Ministro indicado pela URSS, em plena insurreição do proletariado húngaro opôs-se ferreamente a ruptura do operariado da Hungria com a URSS. Isso porque, segundo Lessa, o filósofo húngaro entedia a defesa das teses de Stalin do “‘socialismo em um só país’ e [a] defesa do modelo soviético como um passo efetivo na direção da sociedade comunista” (p. 1). De Lukács confira Conversando com Lukács, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969, e Pensamento Vivido, São Paulo, Ad Hominen, 1999. A tese do socialismo em um só país é eminentemente antimarxista, Marx e Engels passaram a vida toda afirmando que o socialismo só seria possível em âmbito mundial, assim, fundaram a primeira Internacional Comunista. Após a morte de Marx, Engels fundará a segunda Internacional Comunista, Lenin e Trotsky fundarão a terceira Internacional Comunista, que será dissolvida por Stalin. Será Trotsky quem fundará a Quarta Internacional Comunista em 1938. Sobre a relação entre Lukács e a ordem política do stalinismo, embora este não seja propriamente o campo de reflexão do autor, a questão acaba sendo colocada mesmo que de forma introdutória, confira Sergio Lessa Lukács e a ontologia: uma introdução. Disponível no site: http://www.revistaoutubro.com.br/edicoes/05/out5_06.pdf. Ver também, mais focado neste aspecto, Edison Salles Lukács e o stalinismo. In: Revista Iskra. 2008.
[4]              Confira: O possível e o necessário: as estratégias das esquerdas. Disponível no site: http://www.revistaoutubro.com.br/edicoes/03/out3_07.pdf
[5]              Confira: Por um novo internacionalismo. Disponível no site: http://www.pucsp.br/neils/downloads/v5_artigo_michael.pdf
[6]              Confira: A natureza social da ex-União Soviética - Atualidade de uma polêmica. Disponível no site: http://www.revistaoutubro.com.br/edicoes/01/out01_07.pdf
[8]              Veja as reportagens: http://www.youtube.com/?gl=BR&hl=pt

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