Combate Classista

Teoria Marxista, Política e História contemporânea.

sábado, 12 de setembro de 2015

QUEDA DO MURO DE BERLIM - 1989

Anotações de estudo - primeiro semestre de 2010

Alessandro de Moura








Crise do stalinismo e as restaurações capitalistas

Os Partidos Comunistas, sob orientação do Partido da União Soviética, nos diferentes países do globo, ao invés de lutar acatar as demandas revolucionárias dos trabalhadores, passam a defender a linha prognosticada pela cúpula stalinista, repetindo em progressão geométrica os fracassos da Alemanha em 1923, na China, Espanha, novamente a Alemanha em 1953, na Hungria em 1956 (aqui com apoio explicito e ativo de Georg Lukács)[11], na Tchecoslováquia em 1968; no Chile em 1973 (cordões industriais); e na Polônia em 1980 – 1982. Sobre a generalização do modelo soviético estalinista Edmundo Fernandes Dias no artigo O possível e o necessário: as estratégias das esquerdas[12]analisa que:

O modelo “soviético” generalizou esse conjunto de equívocos e os transformou em palavra de ordem internacional. O stalinismo apagava não apenas suas oposições internas (ver em especial a trotskista) mas toda e qualquer oposição em qualquer lugar onde existisse um partido comunista. E, perversamente, ao negar a questão da socialização das forças produtivas e a conseqüente questão da democracia dos trabalhadores, o stalinismo atuava como o braço esquerdo do revisionismo social-democrata.
     Sobre a estratégia stalinista, de aliança com frações da burguesia em detrimento do proletariado, em outra passagem do mesmo artigo Edmundo Fernandes afirma:

Em nome de um acúmulo de forças, necessário, buscavam em outra classe (a burguesia nacional progressista) a direção real e inconteste do processo de “libertação” das forças produtivas. (...) Ou seja, afirmavam que essa transição poderia ser encaminhada nas formas vigentes do capitalismo tornando-se, assim, prisioneiras umbilicalmente daquele, atrelando a ele as classes trabalhadoras e decapitando suas possibilidades reais de libertação. Impediam, pois, a constituição da identidade destas classes, limitavam seus projetos, ajudavam a perpetuar aquele que em teoria, era seu “inimigo”. Suas ações eram, portanto, pautadas, agendadas, pelo inimigo de classe.
 Assim, de forma violenta e traumática, foi imposta uma série de retrocessos ao que Lenin, Trotsky e os revolucionários russos haviam construído até 1923, como argumenta Michael Löwy no recente artigo Por um novo internacionalismo[13]:

[o] formidável movimento de fé e de ação internacionalistas — sem precedente na história do socialismo — o incrível capital de energia e de engajamento internacionalistas que representava a Internacional Comunista, tudo isso foi destruído pelo stalinismo. Este último canalizou essa energia em benefício do nacionalismo burocrático, de sua política de Estado e de sua estratégia de poder. O internacionalismo foi posto a serviço da política externa soviética e o movimento comunista mundial transformado em instrumento da construção do “socialismo em um só país”. A política feita pelo Komintern em relação ao nazismo alemão, desde o final dos anos 20 até sua dissolução em 1943, fornece o exemplo mais chocante: seus estranhos ziguezagues tinham pouca relação com os interesses vitais dos trabalhadores e dos povos europeus, mas estavam exclusivamente determinados pelas mudanças que intervinham na política soviética (stalinista) de alianças diplomáticas e militares.
            A atuação do partido comunista no Brasil não foi muito distinta. É conhecida a defesa incondicional que o PCB preconizara sobre o caráter feudal brasileiro e a necessidade da revolução por etapas por meio da aliança com uma suposta burguesia nacional. Teses totalmente estranhas as formulações de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, mas convergentes com as formulações de Stalin e seus consortes.

MESMO COM AS AMARRAS IMPOSTAS PELOS PCS A RESISTÊNCIA REVOLUCIONÁRIA CONTINUA

Também é necessário considerar que o stalinismo, mesmo com sua inserção mundial, não conseguiu homogeneizar as respostas do proletariado, este não se calou frente ao stalinismo, os trabalhadores continuaram a se organizar, lutaram contra as burocracias stalinistas pactuadas com as burguesias e o patronato mundo a fora, conforme nos referimos em relação a Berlim em 1953, Hungria e Polônia 1956; Polônia e Tchecoslováquia 1968; Primavera de Praga, maio de 68 na França; o “outono quente” italiano, a etapa revolucionária aberta na Argentina depois do Cordobazo; Assembléia Popular boliviana, a revolução portuguesa, a derrota norte-americana no Vietnã, o ascenso espanhol com a morte de Franco as revoluções sandinistas e iraniana e a Polônia 1980.
Deste período de ascenso, a revolução polonesa foi a última oportunidade para que o proletariado revertesse a dinâmica de derrotas e desvios sofridos nos distintos processos revolucionários. Mas foi derrotada. O imperialismo não sofrendo derrotas decisivas nessa etapa recria as condições para retomar sua ofensiva na década de 1980 pela via “reaganiano-thatcheriana”. É claro que entre os elementos que levaram estes processos a definharem está a política de conciliação do PCUS (burocrática e nacionalista).
Ora, a defensiva stalinista insiste, pelo menos desde a revolução alemã em 1923, na argumentação de que não se tinha condições objetivas para fazer avançar as lutas proletárias pelo mundo, e que a alternativa era a aliança com setores da “burguesia progressista”, ao invés de trabalhar pela autoorganização do operariado, como fazia a oposição de esquerda.

POR QUE RESTAURAÇÃO CAPITALISTA?

            Os países capitalistas nunca desistiam de forçar a abertura da URSS e dos demais Estados operários, pois tratava-se de um vasto mercado para valorização de capitais, o que criaria um impulso para sair da crise mundial da década de 1970. As potencias internacionais desde 1917 pressionavam a Rússia à abertura dos mercados e restituição da propriedade privada. Já em estagnação econômica na década de 1960, no inicio da década de 1970 a URSS entrou em profunda crise, como afirma o próprio Mikhail Gorbachov em seu livro Perestroika, esta crise continuou aprofundando-se na década de 1980. O livro de Gorbachov é importante para compreender o processo de restauração, uma vez que seria ele um dos principais articuladores do processo de restauração capitalista.
Além da pressão externa, feita pelas potencias imperialistas, havia também grande pressão interna ao partido pela restauração. Isso porque, segundo Cerdeira, sem a restauração capitalista, sem consolidar relações de propriedade privada, a burocracia stalinista não poderia transformar-se em burguesia. Para se ter ideia dos benefícios da não-propriedade para o proletariado, num relatório do Banco Mundial, Do plano ao mercado. Informe sobre o Desenvolvimento Mundial, Washington, 1996, (apud Cerdeira), afirma-se que “No final da era soviética as famílias dedicavam à moradia (aluguel e serviços) apenas 2,4% de seus salários — menos do que gastavam em bebidas alcoólicas e cigarros”. O mesmo relatório afirma que “Durante a transição aumentou o número de mortes na Rússia. Entre 1990 e 1994, a esperança de vida se reduziu de 64 para 58 anos entre os homens e de 74 para 71 anos entre as mulheres”. (p.141).
Desta forma, segundo o autor, buscando atender as necessidades da burocracia que queria se transformar em classe social burguesa, o próprio governo do país passou a adotar políticas restauracionista. É nesse contexto que Mikhail Gorbachov, no inicio da década de 1980 idealizou e implementou a perestroika. Segundo Cerdeira, entre as medidas mais importantes adotada por Gorbachov estava o fim do monopólio do comercio exterior, e o fim da planificação da economia. Em junho de 1987, foi aprovada a Lei das empresas do Estado que eliminava as subvenções estatais, por meio desta ficou estabelecido que cada empresa poderia desenvolver seu próprios planos anuais ou quinquenais, tanto com a união soviética como com o exterior! Em seguida o Ministério do Comércio Exterior foi dissolvido...
Em novembro de 1986, aprovou-se a Lei sobre as atividades individuais, e depois, em maio de 1988, a Lei sobre cooperativas. De acordo com Cerdeira, por meio desta medida avançaram as privatizações, abrindo amplo campo para restauração da propriedade privada. Também em 1988 o Estado autoriza a constituição de bancos privados, “por meio de uma lei que autorizou a criação de bancos cooperativos, foi um elemento fundamental para a formação dos grandes grupos capitalistas monopólicos da Rússia, consolidando o processo de restauração capitalista”. Além disso, empresários e banqueiros passaram a compor o governo. É o caso de Wladimir Potanin, ex-presidente do maior banco privado da Rússia, o Oneximbank, Potanin tinha sido nomeado primeiro vice-ministro da Economia, e também Kremlin Boris Berezovski, segundo Cerdeira, este não era apenas dono de um banco, mas também de negócios de venda de automóveis e de emissoras de televisão. De acordo com o autor:

Ambos os empresários integram, junto com outros cinco, um grupo que se reúne semanalmente e influi decisivamente nas altas esferas governamentais. Fazem parte deste grupo Piotr Aven, do Banco Alfa; Vladimir Gussinnski, chefe do grupo Most, que atua na área bancária e de comunicação; Mikhail Khodorkovski, presidente do grupo Menatep, com negócios no setor petrolífero e financeiro; e Alexander Smolenski, do Banco Stolichni. Segundo Berezovski, este grupo de empresários, controla 50% da economia russa.
                Cerdeira, em outra passagem, de forma concisa, afirma “O que também se torna evidente nesta análise é que para implantar o capitalismo a burocracia soviética e o imperialismo necessitaram destruir a planificação econômica, abolir o monopólio do comércio exterior e finalmente (e isto foi qualitativo), permitir de novo o livre e irrestrito direito à propriedade privada para recriar uma burguesia destruída há quase 80 anos. O autor destaca ainda que com as privatizações e abertura de mercados houve a “destruição do parque industrial da União Soviética, o decréscimo do seu Produto Interno Bruto e a conseqüente queda do nível de vida das massas”. Nesse sentido, a queda de nível de vida da maioria da população seria “produto direto da competição no mercado mundial e da submissão dos novos países capitalistas aos mais poderosos países imperialistas do mundo”. O definhamento político e econômico avançou até que a URSS se desfizesse no ar. Importante notar que com a queda do Estado operário degenerado da URSS o stalinismo não foi preservado: a burocracia não pôde colocar-se como “vítima” e sim, ao contrário, destacou-se como abertamente pró-capitalista.

MARX CONTRA O STALINISMO
Certamente é possível analisar a experiência soviética à luz do das reflexões de Karl Marx, assimilando o contudo do texto “Glosas criticas marginais...”, podemos dizer que o que aconteceu com a tomada do poder pelas massas proletárias na figura do Partido Bolchevique em outubro de 1917 foi um processo de emancipação política extremamente radical, uma vez que se aboliu ali a propriedade privada, baniu a burguesia, estabeleceu-se a nacionalização e a planificação central da economia. Porém, com o isolamento da revolução, e a consolidação de uma casta autoritária e centralista no poder político-social impediu-se a onto-negação da política, de forma mais clara, não se realizou a superação da política como mediação humana, o isolamento da revolução e o desenvolvimento da burocracia impediu a dissolução da política. A partir de 1923 estas variantes, o isolamento e a burocracia, mesmo alternando-se em centralidade solidificaram-se em freio contra-revolucionário. Assim, a emancipação política radical conquista pelas massas operárias de 1917-1923 ficou impedida de avançar em direção da emancipação humana. Esta obstrução da marcha do processo revolucionário de massas impediu que a classe operária desse um salto na direção de sua autoemancipação e na construção do socialismo, como uma sociedade baseada na autoorganização das capacidades humanas como forcas próprias, como controle coletivo livre, autoconsciente e universal dos trabalhadores sobre o processo de produção e assim da organização social.
Para a classe operária colocava-se de forma urgente dois caminhos candentes, ou suplantava os obstáculos à sua autoemancipação, extirpando a casta contra-revolucionária e avançava no processo de emancipação humana, ou veria a própria emancipação política radical conquistada com lágrimas e sangue recuar até “desmanchar-se no ar como tudo que é sólido”.  No final do século XX, com as restaurações capitalistas, constatamos que foi o segundo processo que prevaleceu.
Por todos os elementos postos, fica patente que a análise sobre a restauração capitalista ocorrida mundo a fora necessita precisa lidar com aspectos contraditórios. Esta sugestão é certamente aplicável a restauração capitalista na Alemanha. Não cabe ao campo marxista defender a restauração da propriedade privada como aconteceu com a restauração, uma vez que a luta contra a propriedade privada é luta histórica do proletariado mundial. Também não cabe ao campo marxista reivindicar a restauração/criação de burguesias, como ocorreu nos processos pós-restauração capitalista. Nesse sentido a restauração pode ser considerada como retrocesso histórico. Mas, mais estranho ainda ao campo marxista seria defender o stalinismo, uma forma social baseada no amordaçamento e aniquilação do proletariado e no pacto com extratos burgueses. Então os marxistas revolucionários reivindicam a dissolução da propriedade privada, com a extinção das burguesias, ao mesmo tempo em que combatem os stalinistas e suas estratégias de conciliação e sufocamento do movimento da classe dos trabalhadores. Então vejamos o quanto esta reflexão útil para pensar o ano de 1989.

1989: A LUTA CONTRA A BUROCRACIA STALINISTA

O fim da segunda guerra mundial estabelece uma nova ordem internacional, as duas potencias, E.U.A e URSS “dividem o mundo” por ordem de influência. A Alemanha será um destes países divididos. Em 13 de Agosto de 1961, por ondem da república Democrática Alemã (RDA) deu-se inicio a construção de um muro de concreto e aço de 166 quilômetros de extensão, quatro metros de altura e um metro e meio de largura para dividir o país em a República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) e a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental). A divisão gerou uma série de conflitos, enfrentamentos, prisões e mortes durante todo o período da guerra “fria”.
O muro existiu até 1989. Neste ano aconteceram no “Leste europeu” uma série de mobilizações populares que varreram os governos stalinistas, o que constituiu uma série de vitorias sociais. Porém este processo não é tão simples de ser analisado, pois tais mobilizações, sem um programa para longo prazo, sem direção para além do imediato, extirpou o stalinismo, mas criou um vácuo social que foi ocupado pela burguesia, assim, com restauração capitalista veio também a restauração da propriedade privada e das burguesias e o restabelecimento do mundo “unipolar”. Sobre a nova politica dos E.U.A pós-desagregação da URSS.
Mesmo com a Alemanha dividida, desde 2 de maio de 1989 já era possível passar de um lado para outro do muro via Hungria, onde soldados húngaros sob ordem do governo tinham começado a derrubar as fronteiras com a Áustria. Importante ressaltar que os acontecimento na Alemanha não deram-se de forma isolada, também na Hungria, em 10 de Junho, o Partido Comunista, buscando sanar pressões sociais, dá uma saída pela direita, mas assina com a oposição do governo um acordo que marcou a transição da Hungria para o multipartidarismo. Em agosto de 1989 o clima esquenta ainda no Leste europeu, no dia 21 eclodem manifestações na Checoslováquia,  milhares de manifestantes vão para as ruas do país  no vigésimo aniversário da invasão a Checoslováquia por tropas do Pacto de Varsóvia.
Segundo Sagra (2009), em setembro de 1989 15.000 alemães orientais chegaram à Alemanha Federal via Hungria. Mesmo perdendo sua função de barreira, o muro ainda era um fantasma concreto que aterrorizava os alemães, era chamados por muitos de “muro da vergonha”. Em outubro de 1989 desencadeia-se uma manifestação em Leipzig, situada na Alemanha do Leste, decorre dai um série de outras manifestações populares no país. O governo, sobre a presidência de Erich Honecker, em 18 de Outubro, manda reprimir os manifestantes. A ação presidencial causa um escândalo, Honecker perde sua base de sustentação com isso perde também o cargo, este é substituído por Egon Krenz, o antigo chefe de segurança. O governo sob liderança de Krenz continuam tentando dissuadir os manifestantes, mas a mobilização popular continua crescente. Cinco dia depois, 23 de outubro de 1989 mais de 200.000 mil manifestantes vão para as ruas. Em 6 de novembro são mais de 500 mil manifestantes nas ruas. Desta forma a situação torna-se insustentável, o mundo todo volta os olhos para Berlin. A URSS, bem como outros países sob sua influencia já estava em crise a décadas. Diante de tal quadro em 7 de Novembro, todo o conselho de ministros, o organismo que regia o destino da RDA, renuncia, a re-unificação é um fato, no dia 9 é feito o pronunciamento oficial.
Vimos pela televisão[16], em 9 de novembro de 1989, o anuncio oficial que a partir da meia-noite, os alemães do Leste poderiam cruzar qualquer uma das fronteiras da República Democrática Alemã (RDA), incluindo o Muro de Berlim, sem necessidade de contar com permissões especiais. O momento era histórico, pela televisão vimos que muito antes da meia-noite, milhares de berlinenses tinham-se aglomerado tanto do lado Ocidental quanto do lado Oriental do muro. Os minutos passavam lentamente, as pessoas não conseguiam conter-se e esperar a longinquá meia-noite, começaram a se pendurar e pular o muro. Familiares e amigos a muito separados se encontravam e abraçavam-se emocionados, muitos com lágrima nos olhos. Os ânimos foram se intensificando, começou então um ataque, num primeiro momento ainda tímido ao muro, até que eram centenas. O muro era simbolo de muitos sacrifícios, as pessoas chutavam o muro, batiam nele com qualquer objeto que tivesse às mãos, assim víamos milhares de jovens derrubando o muro a golpes. Para aqueles milhares de manifestantes tratava-se de por abaixo o muro.
No mesmo mês na Checoslováquia uma assembleia de estudantes marchou sobre a praça Wenceslasmanifestando seu descontentamento com o governo. A reação do governo Checo foi semelhante a de Honecker em outubro, repressão. A resposta da população Checa também foi semelhante a dos alemães. Milhares de Checos vão para a praça.
Em dezembro de 1989 foi a vez da Romênia, uma onda de protestos contra o governo agita o país. A resposta do governo romeno foi a mesma do governo alemão e do checo, mandou reprimir os manifestante. Porém aqui acontece algo distinto, o exército recusa-se a reprimir os manifestantes. Então o governo aciona suas Tropas Especiais que acabam por desencadear uma violenta e sangrenta repressão a 21 de dezembro, muitos manifestantes são mortos. Com isso intensifica-se ainda mais  a crise no país. Cresce a mobilização popular, desencadeia-se um movimento de massas radicalizado contra o governo, parte do exército, certamente muitos dos que se recusaram a reprimir os manifestantes, apoiam as mobilizações. Durante dois dias os enfrentamentos entre as massas e as forças pro-governo generalizam-se pelo país. No dia 23 de Dezembro, o presidente e sua esposa são presos, acusados de abuso de autoridade e do assassinato de 60.000 romenos. Dois dias depois foram executados. É formado um governo provisório.
Entendemos que entre 1989 e 1991, abriu-se um curto período pré-revolucionário em nível mundial. Que não pode ser confundido com um período revolucionário. Durante este período  pré-revolucionário as massas dos Estados Operários deformados e degenerados se levantaram contra as conseqüências das políticas “fundomonetaristas” aplicadas pelas burocracias governantes. Porém a ausência de um partido revolucionário, ou de direções operárias revolucionárias, ou inclusive de organismos embrionários de tipo soviético permitiram que desde o início a direção desses movimentos, denominados no período como “revoluções de veludo” recaísse em movimentos “democráticos” pequeno burgueses que lhes imprimiram sua marca e permitiram o ascenso de governos abertamente restauracionistas.

A DERRUBADA DO MURO SIGNIFICOU UMA VITORIA PARA O PROLETARIADO MUNDIAL?

Foi certamente positiva a extirpação do autoritarismo e da castração ideológica levada a cabo pelos partidos stalinistas. Porém a restauração da propriedade privada e da democracia burguesa, que é fundada sobre a desigualdade material é certamente um retrocesso a luta do proletariado alemão. A demanda por maiores liberdades políticas, pela emancipação humana, e pelo fim das desigualdades são demandas históricas do proletariado. A restauração da propriedade privada e a democracia burguesa, bem como as privatizações são demandas da burguesia, do patronato e dos ricos e não do proletariado.
A derrubada do muro trouxe no bojo a restauração capitalista, com a restauração da propriedade privada e implantação do neoliberalismo e considerável aprofundamento da subsunção da classe operária aos imperativos capitalista. Interessante notar que na esteira da mobilizações populares, também na a restauração capitalista foi coordenada pelos governos stalinista, como soviético e Alemão. Uma parte dos dirigentes dos “partidos comunistas” que acumularam privilégios, a denominada burocracia stalinista, estava ansiosa para converter-se em burguesia. Assim em 1989 as direções stalinistas fazem seu pacto final com a burguesia mundial, e assim dissolvem as ultimas conquistas do movimento operário (como o fim da propriedade privada e a extinção da burguesia) no lamaçal da ordem burguesa. Embora não se restrinja a questão econômica, uma analise fina sobre a economia dos países onde ocorreram as restaurações certamente revelaria aspectos importantes sobre os principais beneficiados pela restauração.
É necessário estar atento ao significado que se busca atribuir a 1989. O que os defensores do capitalismo argumentam é que o socialismo não deu certo e que o capitalismo vai bem. Corriqueiramente falam de “fracasso do socialismo”, “fracasso do marxismo” etc. Ora, como já colocamos inicialmente, o que vigorava no “Leste europeu” estava muito distante do socialismo e do marxismo. A confusão entre stalinismo e socialismo não é gratuita, aos defensores do capitalismo interessa colocar o capitalismo como forma única de pensar e organizar a sociedade. Para estes a humanidade já teria atingido o alto de seu desenvolvimento e agora trata-se de acertá-lo aos poucos. Já para os marxistas revolucionários, o capitalismo é incorrigível, para que uns poucos acumulem riquezas e bem estar, multidões de seres humanos necessitam acumular misérias e viver de formas precárias e ainda castrados em potencialidades humanas.
Ajuda compreender a intencionalidade dos governos capitalista pensar quem impulsionou suas comemorações e no teor ideológico que lhe foi empregado. No dia 9 de novembro de 2009 os representantes de governos das principais potencias do globo, entre eles estava a Chanceler da Alemanha Angela Merkel do Partido União Democrático-cristã, o presidente da França Nicolas Sarkozy do partido União por um Movimento Popular - UMP - (o mesmo de Jacques Chirac). Também participou das comemorações o Primeiro Ministro inglês Gordon Brown do Partido Trabalhista (Labour Party) e a Secretária de Estado dos E.U.A. Hillary Clinton, junto com outros convidados como o presidente russo Dimitri Medvedev, o último presidente soviético Mikhail Gorbachev e populista Lech Walesa. Este grupo foi s protagonista do que chamaram de “Festival da Liberdade”, em que os das principais potências capitalistas tomaram a dianteira para celebrar o 20º aniversário da derrubada do muro de Berlim. Seus discursos estavam permeados de referências a esse acontecimento com a “abertura de uma nova época” de “liberdade e democracia”.
As celebres personas ao falar de “uma nova época” de liberdade e democracia não tocaram esqueceram de considerar os estudos divulgados pela Organização da Nações Unidas, o estudo realizado pelo Conselho Econômico e Social da ONU  (The Inequality Predicament), demonstrou que mais de 50% (cinqüenta por cento) da renda mundial está concentrado  nas mãos de apenas 10% (dez por cento) da humanidade . Esqueceram também de considerar o relatório divulgado em Washington, 10 outubro de 2007, o estudo feito pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) revelou que nas ultimas década, mesmo frente ao enorme crescimento econômico mundial, a desigualdade de renda na maioria dos países do globo aumentou.
O desempenho insatisfatório do capitalismo não se restringe a economia. O mundo avançou pouco (ou quase nada) neste aspecto. Mesmo as liberdades políticas. Além do mais lembremos que os mesmos líderes mundiais que celebram a derrubada do muro de Berlim, apóiam as invasões militares e ocupações em outros países. Intervém na política e na economia de países subdesenvolvidos. Levantam diariamente novos muros e constroem campos de concentração contra os imigrantes dos países semicoloniais, a centenas de milhões que o capitalismo impõe condições precárias de sobrevivência para o beneficio de uma pequena parcela mundial. Ao mesmo tempo estes governantes, representantes da grande burguesia mundial, ‘dão sustentação’ à construção do muro com o qual o Estado de Israel fecha em guetos ao povo palestino.
 Mesmo no que diz respeito a nova era de “liberdade e democracia” aberta em 1989, devemos lembrar que com a derrubada do muro, e o fortalecimento do neoliberalismo, institucionalizou-se a flexibilização dos direitos trabalhista, além disso desencadeou-se uma série de contra-reformas no sistema educacional ataques e de saúde em vários países da Europa. Nas universidades abriu-se uma nova temporada de “caça as bruxas”, na defesa intransigente do “pensamento único” desencadearam-se campanhas de ofensiva ideológica e política contra o marxismo e os marxistas. Neste contexto veio também a absurda formulação de F. Fukuyama de fim da história.  Para qualquer um que reivindique o marxismo a conjuntura tornou-se desfavorável e até mesmo opressiva. Frente a tal conjuntura parte importante da esquerda mundial caiu na desmoralização. Setores que até então compunham a intelligentsia marxista abriram mão do marxismo, ou então encastelaram-se nas universidades por meio de uma marxismo estéril, descomprometido com a intervenção e transformação radical  da realidade social, nos termos colocados por Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Muitos dos que se reivindicavam de esquerda foram para o centro e muitos que se diziam de centro migraram para a direita, passando a defender as coisas como estão e combatendo movimentos populares reivindicatório. Mas, a homogeneidade de pensamento e política não conseguiu se impor.
Na luta de classes, desde 1995 com a greve francesa de novembro-dezembro como marco, temos observado tendências regenerativas no movimento operário e de massas, com a tendência às lutas mais radicalizadas como na América Latina e na Palestina e o surgimento, nas potências imperialistas, da juventude anticapitalista que se expressou em Seattle e Praga.
Num primeiro momento (1995-1997) vivemos um período de dois anos que denominamos como “contra-ofensiva de massa em numerosos países”, com várias greves gerais e ações políticas de massas tanto na Europa ocidental como na América Latina e na Coréia do Sul, ações que foram muito massivas mas pouco radicalizadas. Nos extremos, em uma vanguarda ampla, isto também se expressou no fortalecimento (fundamentalmente no terreno eleitoral) de variantes à esquerda da terceira via como o peso eleitoral de LO e da LCR na França, Refundação Comunista na Itália, o Bloco de Esquerda em Portugal, o Partido da Esquerda na Suécia ou o SWP na Grã-Bretanha. Na América Latina, devido às características próprias do ascenso na região, junto com o surgimento de alternativas de substituição aos governos neoliberais (como a Aliança na Argentina), o que se fortaleceu à sua esquerda foram fundamentalmente as direções camponesas (MST brasileiro, EZLN mexicano, ASP de Evo Morales na Bolívia). Além disso, uma minoria espalhada pelo mundo continuou nos marcos do marxismo revolucionário, reivindicando-o como única filosofia que pode conduzir a emancipação humana.


20 ANOS DA DERRUBADA DO MURO DE BERLIM: O QUE FAZER?

Hoje a economia mundial atravessa sua pior crise desde a Grande Depressão de 1929, gerada na principal potencia econômica capitalista, os Estados Unidos. Esta crise está novamente desnudando o caráter do capitalismo fundado sobre crises e guerras, um sistema de exploração e opressão, contrariando por fato os discursos ideológicos de seus apologistas. É claro que não estamos dizendo que as crises econômicas levam às revoluções, ou que o capitalismo cairá por si só conduzindo a humanidade a patamares superiores de sociabilidade, é preciso ter clareza que o sistema capitalista não teria sido sustentado até hoje se não pudesse construir equilíbrios, rompe-los, reconstruí-los e rompe-los outra vez, ampliando, ao mesmo tempo, os limites de seu domínio. O equilíbrio do capitalismo é dinâmico, está sempre em processo de ruptura ou restauração.
Os Estado-nacionais burgueses empreendem intensa atividade para manutenção do sócio-metabolismo do capital. Basta observar como os governos intervieram nesta crise para salvar da quebra, com dinheiro público, a elite financeira e aos grandes monopólios, que seguem fazendo seus grandes negócios a custo de aumentar consideravelmente a dívida estatal, enquanto milhões de pessoas são empurradas ao desemprego e à pobreza.
Por tudo o que foi posto, é patente pensar formas de superar a ordem social posta, sem repetir erros do passado. Já argumentamos que o que se estabeleceu na URSS e na Alemanha não era socialismo, como também não era marxismo. A confusão entre tais processos tende a ocultar as possibilidades de superação da barbárie capitalista que estão contidas nas formulações de Marx, Engels, Lenin e Trotsky.
A 20 anos da derrubada do muro de Berlim, a crise econômica, as guerras, as convulsões sociais, depois de longas três décadas de retrocesso e ofensiva burguesa, a classe operária está recriando as condições para que a perspectiva da revolução social volte a ser colocada na luta dos explorados, superando os anos de reação ideológica e política que seguiram à restauração capitalista. Os processos decorridos na URSS não foram o fracasso da filosofia da práxis, nem do socialismo, bem porque o que imperava ali não era socialismo, e também stalinismo é antimarxismo, basta considerar, além da utopia-reacionária do socialismo num só pais, sua prática histórica bloqueando e/ou estrangulando os desenvolvimentos revolucionários.
A tragédia que foi o stalinismo, tanto na URSS como pelo mundo afora está diametralmente oposta à emancipação humana e ao materialismo histórico dialético. Aquela experiência deve ser estudada, criticada e superada, em busca de construir socialmente novas possibilidades estratégicas. Estamos dizendo que a compreensão destas experiências humanas deve ser utilizada na elaboração um programa, que abranja não só os Estados operários burocratizados, mas a sociedade capitalista como totalidade, em suas múltiplas determinações contraditórias. É claro que para nós este programa deve articular emancipação política e emancipação humana. Possibilitando liberar e canalizar as energias humanas para uma profunda mudança de sistema social.
De um extremo a outro coloca-se como tarefa a expropriação da burguesia, tanto da nova burguesia surgida no Estados operários burocratizados, como da “velha burguesia” emergida com a revolução burguesa. Para os marxistas revolucionários, trata-se ainda de construir a revolução mundial.
Neste sentido, coloca-se como premente a reconstrução da forma partidária da classe trabalhadora. Num partido internacionalista, que comprometido com a transformação social radical, com a revolução internacional proletária, faça das experiências de opressão a que os trabalhadores de todos os países do globo estão subalternizados e a terrível penúria da esmagadora maioria das massas. Por isso a experiências dos trabalhadores compõe matéria prima para a superação de tudo que existe. A experiência histórica nos mostrou que uma revolução é impossível sem a participação das massas em grande escala, e que estas massas, para serem vitoriosas devem estar munida de uma estratégia e um programa. É certo que as insurreições proletárias não dependem do partido para eclodirem, porém é inegável o salto qualitativo das insurreições quando o proletariado passou a se organizar em partidos revolucionários.
A sua posição na estruturação social dá ao proletariado o poder de suspender à vontade, parcial ou totalmente, o próprio funcionamento da economia da sociedade, é indispensável a luta conduzida em comum contra a exploração, pois a luta comum, por meio da experiência compartilhada, cria importantes momentos de solidariedade e de sacrifício, por greves parciais ou pela greve geral, esta por sua vez, em uma série de momentos históricos, avançou de greve geral para insurreição armada, e de insurreição armada para revoluções e de revolução para a ditadura do proletariado. O partido do proletariado, o partido revolucionário, deve tencionar-se à liberação e canalização das energias humanas para a superação do sóciometabolismo do capital.
Não cabe para nós a afirmação abnegadora de que a classe trabalhadora não tem consciência de classe. Na sociedade capitalista todo ser humano esta esquadrinhado por relações de classe social (possuidor de meios de produção e despossuídos de meios de produção). Bem como todo ser humano tem percepções das relações de dominação. Ter consciência de classe não significa ter consciência de classe revolucionária (consciência de classe contingente). O mais importante é que o partido revolucionário, atento as alterações produzidas por causas históricas profundas, não pode se adaptar passivamente a todas as mudanças no estado de ânimo das massas, cedendo as frações mais incertas do proletariado. Nesse sentido, a função central do Partido Revolucionário é a de revolucionar a consciência da classe operária. Transformando a consciência de classe contingente em consciência de classe necessária. Ajustando-a as tarefas do presente.

Pois o melhor momento para construir um partido proletário revolucionário é certamente o momento em que o proletariado encontra-se subalternizado. Não se pode esperar pela “conjuntura revolucionária” para dar inicio a esta tarefa árdua, é necessário começar já a forjar hoje a vanguarda revolucionária que será o coveiro coletivo da burguesia manhã. Os revolucionários necessitam articular-se em um partido revolucionário, o exército conscientemente das necessidades históricas do proletariado deve ser mais forte do que o exército contra-revolucionário do capital, intensificando suas ações defendendo as tentativas de autoorganização operária, pautando o programa histórico do proletariado. Apenas a ditadura do proletariado contra as classes dominantes é que pode realizar a reforma agrária, como apenas sobre o controle operário da produção se elimina a desigualdade sócio-material. Apenas o proletariado pode levar a cabo a dissolução das classes sociais, abolição da propriedade privada e dissolução do Estado, para assim, novamente como dissera o poeta Maiakovski, ‘desatar o futuro, pois este não virá por si só’.



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quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O movimento operário russo e suas revoluções: a estratégia de 1905 e 1917


Alessandro de Moura

Resumo
            Apresentamos um breve ensaio sobre a organização do movimento operário russo no período 1905-1917. Em 1905 as mobilizações dos operários russos, lutando por melhores condições de vida e trabalho, avançaram para a formação dos Sovietes (conselhos operários). Na revolução de 1917 os sovietes ressurgiram com mais força, estabelecendo duplo poder na Rússia, dualidade esta que se estende até 25 de outubro de 1917, data que marca o inicio da implantação do governo soviético.

Palavras chave: História da Revolução Russa. Revolução de 1905. Revolução de 1917. Marxismo. Socialismo.

INTRODUÇÃO
            A Rússia do final do século XIX já possuía um grande contingente populacional, sendo que "seu primeiro senso data de 1897 - conta com 129 milhões de habitantes. Em 1914 são mais de 160 milhões". (BROUÉ, 2005, p. 9). Era um país eminentemente rural, mas portador de um importante setor industrial, que concentra cerca de um milhão e meio de operários em 1900 saltando para três milhões em 1912. (IDEM, p. 13). A concentração populacional nas cidades aumentava constantemente, o censo de 1897 apontava que a população das cidades somava 16.289.000 pessoas, aproximadamente 13% da população total da Rússia (Trotsky, 1971). Ainda, conforme complementa o historiador Victor Serge (1993): "este proletariado de oficinas e de fábricas, concentrado em alguns grandes centros, forma uma massa de 1.691.000 de homens (1904)". (SERGE, 1993, p. 40). O tzarismo convive com a indústria moderna. De acordo com Serge:
Criada recentemente, a indústria russa se desenvolve vigorosamente em condições muito peculiares. As fontes de mão de obra são ilimitadas, mas a mão de obra qualificada é rara e não há aristocracia operária privilegiada. A técnica dessa indústria de um país agrícola é, na maioria das vezes atrasada: é fácil fazer bons negócio. Em contrapartida, sua concentração atinge, sob influência do capital estrangeiro um grau ainda  mais elevado que a indústria alemã. Este capitalismo, de estrutura moderna, é entravado por instituições retardatárias de mais de um século em relação a ele. (SERGE, 1993, p. 40).
A industrialização do país foi fomentada com grande ajuda do Estado em aliança com o capital financeiro internacional, o que Lênin chamou de “via prussiana de desenvolvimento do capitalismo”. Desta forma, o período do "boom" industrial russo (1893-1902) foi também um período de imigração acelerada do capital europeu.
Enquanto o proletariado concentrava-se em contingentes enormes nas cidades, a burguesia era numericamente e politicamente fraca, isolada do povo, semi-estrangeira, sem tradições históricas, e inspirada pela possibilidade de lucro certo e rápido. A classe operária vivia sob regimes despóticos na produção, com baixíssimos salários, muitas horas de trabalho e autoritarismo patronal. Embora a indústria estivesse em expansão, tal processo decorria sem melhora significativa das condições de vida e trabalho da população trabalhadora. Conforme apontou Serge, a classe operária não podia contar com:
Nenhuma legislação trabalhista, nenhum sindicato; nenhum direito de associação, de reunião, de greve ou de palavra. Os operários, em suma não têm direito algum. A jornada de trabalho varia entre 10 a 14 horas. (SERGE, 1993, p. 40).
1905: A PRIMEIRA REVOLUÇÃO RUSSA
            Em 1905, o proletariado urbano deflagrou a primeira revolução russa. Esta foi um produto direto das condições sócio-materiais e políticas geradas durante o período da guerra russo-japonesa que se iniciou em 1904. A guerra levou milhares de soldados ao front para não os trazer de volta, somaram-se 1,5 milhões de mortos e feridos. (TROTSKY, 2007a). A escassez de alimentos elevou os preços e expandiu a penúria no país. A degradação das condições de vida gerava descontentamento com o governo e a guerra. A combinação destes fatores fragilizou o tzarismo preparando o terreno para a revolução de 1905.
Em 9 de janeiro de 1905 os trabalhadores russos, decidem entregar uma petição ao tzar, reivindicando melhores condições de vida e trabalho. A principal liderança era o padre Gueórgui Gapone, que, de acordo com Deutscher, havia criado "sua própria organização trabalhista para combater o socialismo clandestino". (DEUTSCHER, 2005). Conforme Serge (1993): "Gapone é uma figura singular. Parece ter acreditado sinceramente na possibilidade de conciliar verdadeiros interesses dos operários e as boas intenções das autoridades". (SERGE, p. 41). A passeata dirige-se ao Palácio de Inverno, morada do Tzar. Segundo o autor:
(...) A petição dos operários de Petersburgo a Nicolau II, redigida por Gapone e aprovada por dezenas de milhares de proletários, foi ao mesmo tempo uma dolorosa suplica e uma reivindicação audaciosa. O que, exatamente, ele pedia? Jornada de 8 horas, reconhecimento dos direitos dos operários, uma constituição (responsabilidade dos ministros perante a nação, separação entre a igreja e o Estado, liberdades democráticas). (SERGE, 1993, p. 41).
Assim, "De todos os pontos da capital, os peticionários, carregando ícones e cantando hinos religiosos, puseram-se em marcha sobre a neve, numa manhã de janeiro para ir até o "paizinho tzar" (Idem). Porém, ao invés da audiência com o imperador, "O tzar recusou-se a receber os manifestantes e mandou que os soldados que montavam guarda no Palácio disparasse contra a multidão. Isso provocou a explosão revolucionária". (DEUTSCHER, 2005, p. 148). De acordo com Victor Serge:
Em todas as esquinas havia emboscadas. A tropa os metralhou, os cossacos descarregaram as armas. "Tratem-nos como insurretos", havia dito o imperador. A fuzilaria foi particularmente intensa sob as janelas do Palácio de Inverno. Centenas de mortos, centenas de feridos, este foi o balanço da jornada. Esta repressão absurda e criminosa, dá inicio a primeira revolução russa. Este foi também - com 12 anos de antecedência - o suicídio da autocracia. (SERGE, p. 41).
Este dia ficou marcado na história da Rússia como o “Domingo Sangrento”. As conseqüências de tal ataque seriam mais profundas do que o tzar poderia calcular. Lênin, em seu Relatório sobre a revolução de 1905 registrou os acontecimentos do “Domingo Sangrento:
Milhares de operários, não social-democratas, mas crentes, súbditos fiéis do czar, conduzidos pelo padre Gapone, encaminharam-se de todos os pontos da cidade para o centro da capital, em direção à praça do Palácio de Inverno, para entregar uma petição ao czar. (...). A tropa foi alertada. Ulanos e cossacos descarregam sobre a multidão com armas brancas; disparam contra os operários desarmados que ajoelhados suplicam aos cossacos que lhes permitam aproximar-se do czar. Segundo os relatórios da polícia, houve nesse dia mais de um milhar de mortos e mais de dois mil feridos. A indignação dos operários foi indescritível. (LENIN, 2007).
            De acordo com Lênin, as reivindicações dos trabalhadores no 9 de janeiro eram: “anistia, liberdades cívicas, salário normal, entrega progressiva da terra ao povo, convocação de uma Assembléia Constituinte eleita por sufrágio universal e igual”.  (IDEM). Os trabalhadores russos reivindicavam o que a classe trabalhadora de outros países já haviam conquistado há anos. Em um trecho da petição levada ao tzar, os operários suplicam para que intervenha nas relações capital-trabalho contra o despotismo patronal:
Nós, operários, habitantes de Petersburgo, dirigimo-nos a Ti. Somos escravos miseráveis, humilhados; somos subjugados pelo despotismo e o arbítrio. Com a paciência esgotada, cessamos o trabalho e pedimos aos nossos patrões que nos dessem pelo menos aquilo sem o qual a vida não passa de uma tortura. Mas isso foi-nos recusado; dizem os industriais que não está conforme com a lei. Somos milhares e, tal como todo o povo russo, estamos privados de todos os direitos humanos. Os Teus funcionários reduziram-nos à escravatura. (Apud LENIN, 2007).
A petição é concluída com um apelo ultimo ao tzar:
Senhor! Não recuses ajudar o Teu povo! Derruba a muralha que Te separa do Teu povo! Ordena que seja dada satisfação aos nossos pedidos, ordena-o publicamente e tornarás a Rússia feliz; se não, estamos prontos a morrer aqui mesmo. Só temos dois caminhos: a liberdade e a felicidade ou o túmulo. (Idem).
Segundo a perspectiva de Lênin, os trabalhadores, por meio de um ato de “retidão de gente despertada pela primeira vez para a consciência política”, acreditavam que o tzar poderia se contrapor ao patronato e a burguesia nascente da Rússia em favor do povo. Segundo o autor:
Os operários pouco conscientes da Rússia de antes da revolução não sabiam que o czar era o chefe da classe dominante, mais precisamente a dos grandes proprietários fundiários, já associados à grande burguesia por milhares de laços e prontos a defenderem pela violência, por todos os meios, o seu monopólio, os seus privilégios e os seus lucros. (LENIN, 2007).
Por isso, quando os trabalhadores se contrapunham à burguesia industrial e aos grandes proprietários fundiários, contrapunham-se imediatamente aos interesses do tzar, que por sua vez transformou um ato pacífico dos trabalhadores em um banho de sangue. Para Lênin, o operariado tirou lições importantes daquela experiência, pois o evento explicitou as relações entre o absolutismo, proprietários fundiários e a nascente burguesia. Neste processo, o operariado toma ciência de sua força coletiva. Como respostas aos fuzilamentos, uma onda potente de greves explodiu a partir de janeiro, milhares vão às ruas, dão-se novos confrontos. Lênin escreveu, no 10 de janeiro de 1905, um texto intitulado “A Revolução na Rússia” onde apontou que com o “Domingo sangrento” abriam-se novas expectativas para o jovem proletariado da velha Rússia:
A insurreição estalou. A força responde à força. Combate-se nas ruas, levantam-se barricadas, os tiros crepitam, os canhões troam. Por todo o lado, rios de sangue; a guerra civil pela liberdade teve início. Moscou, o Sul, o Cáucaso e a Polônia estão prontos para se juntarem ao proletariado de Petersburgo. A palavra-de-ordem dos operários passou a ser: a morte ou a liberdade! Muitas coisas ficarão decididas hoje e amanhã. A situação evolui de hora a hora. O telégrafo traz notícias exaltantes e as palavras parecem incapazes de dar conta da intensidade dos acontecimentos vividos. Cada um deve estar pronto a cumprir o seu dever de revolucionário e de social-democrata. Viva a revolução! Viva o proletariado insurrecto! (LÊNIN, A Revolução na Rússia, 10/01/1905).
Três dias depois, em 12 de janeiro de 1905, Lênin publica o texto O começo da revolução russa, onde denúncia a brutalidade com que as tropas atacaram os operários e suas famílias, segundo o autor a “tropa venceu os operários, as mulheres e as crianças desarmados. A tropa venceu o inimigo, metralhando os operários que jaziam por terra”. (O começo da revolução russa, 12/01/1905). Porém, mesmo com centenas de trabalhadores tombando por força das metralhadoras, os operários não recuaram, para a maior preocupação do tzar e das classes dominantes,  verifica-se a disseminação do vigor insurrecional entre o proletariado fabril, que cada vez ganha mais apoio popular.
Erguem-se os operários de Kólpino. O proletariado arma-se e arma o povo. Os operários apoderam-se, segundo se diz, do depósito de armas de Sestroretsk. Os operários munem-se de revólveres, forjam armas das suas próprias ferramentas, conseguem bombas para a desesperada luta pela liberdade. A greve geral estende-se às províncias. Em Moscou, 10.000 pessoas já abandonaram o trabalho. Está marcada para amanhã (quinta-feira 13 de Janeiro) a greve geral em Moscou. Rebentou uma revolta em Riga. Manifestam-se os operários de Lodz, prepara-se a insurreição de Varsóvia e realizam-se manifestações do proletariado em Helsingfors. Em Baku, Odessa, Kiev, Kharkov, Kovno e Vilno cresce a efervescência entre os operários e amplia-se a greve. Em Sebastopol ardem os depósitos e o arsenal do departamento da marinha, e a tropa nega-se a abrir fogo contra os marinheiros sublevados. Greve em Revel e em Sarátov. Choque armado entre a tropa e os operários e reservistas em Radom. (Idem).
O desgaste do governo frente aos operários e o povo russo é crescente. De acordo com Lênin, até mesmo Gapone, depois do Domingo sangrento, chegou à conclusão de que  “Já não temos tzar. Um rio de sangue separa o tzar do povo. Viva a luta pela liberdade!”. Lênin destacou como o ânimo do proletariado transformara-se de forma crescente de 9 de janeiro em diante:
 (...) em poucos meses, as coisas mudaram completamente. As centenas de social-democratas revolucionários passaram “subitamente” a milhares, e estes milhares tornaram-se chefes de dois a três milhões de proletários. A luta proletária suscitou uma grande efervescência, até mesmo em parte um movimento revolucionário, no fundo da massa de cinquenta a cem milhões de camponeses; o movimento camponês teve repercussão no exército e deu origem a revoltas militares, a choques armados entre as tropas. Assim um imenso país com 130 milhões de habitantes entrou na revolução; assim a Rússia adormecida se tornou a Rússia do proletariado revolucionário e do povo revolucionário (...). (LENIN, 2007).
A greve política de massas, em janeiro de 1905, atingiu a cifra de 440.000 grevistas (Lênin, 2007). Trotsky, com dados oficiais do governo russo, afirmou que até o final do ano chegou-se a mais de 1.800.000 grevistas (TROTSKI, 2007a). Lênin destacou que: "A greve de massa foi o seu agente mais poderoso. A originalidade da revolução russa está em que foi democrático-burguesa pelo seu conteúdo social, mas proletária pelos seus meios de luta". (2007). Segundo o autor, embora fosse uma revolução dirigida pelo proletariado, com "greve política de massas" e poder operário:
Foi uma revolução democrática burguesa porque o fim a que aspirava no imediato e que podia alcançar no imediato, pelas suas próprias forças, era a república democrática, a jornada de oito horas, a confiscação das imensas propriedades fundiárias da alta nobreza, tudo medidas realizadas quase inteiramente pela revolução burguesa em França em 1792 e 1793. Mas a revolução russa foi em simultâneo uma revolução proletária, não só porque o proletariado era então a força dirigente, a vanguarda do movimento, mas também porque o instrumento de luta específico do proletariado, a greve, constituiu a alavanca principal para pôr em movimento as massas e o fato mais característico da vaga crescente dos acontecimentos decisivos. (LENIN, 2007).
São Petersburgo, Riga e Varsóvia, são as cidades com número incomparavelmente mais elevado de grevistas.
O OPERARIADO RUSSO CRIA OS SOVIETS
Em meio à onda grevista de 1905, nos bairros operários eram constantes as reuniões e assembléias. No mês de julho viveu-se a revolta dos marinheiros do Encouraçado Potemkin. Em outubro, segundo Deutscher: "Com o desenvolver da greve nasceu uma instituição criada na essência da Revolução Russa: o primeiro conselho ou soviete dos Representantes dos Trabalhadores". (DEUTSCHER, 2005, p. 166). O soviete nasceu como um organismo de auto-organização para coordenar as lutas em curso, sendo que o núcleo do soviete: "foi constituído pelos grevistas de cinqüenta oficinas tipográficas que elegeram delegados e lhes deram instruções para formar um conselho. A eles juntaram-se logo delegados de outras indústrias". (DEUTSCHER, 2005, p. 166). Esses representantes operários orientaram os demais trabalhadores para que enviassem delegados para apresentar suas reivindicações na primeira assembleia do soviete que seria realizada em 13 de outubro de 1905. De acordo com Broué:
Desde o ponto de vista dos historiadores, o fato capital da história da revolução russa é, sem dúvida alguma, o surgimento dos sovietes, graças aos quais triunfaram, em 1917, tanto a revolução proletária como o partido bolchevique. (BROUÉ, 2005, p. 80).
Por meio dos sovietes, o proletariado afirmou-se como um sujeito político coletivo. Trotsky, que em 1905 foi presidente do Soviete de São Petersburgo (que a partir de 1914 passa a se chamar Petrogrado), no livro Balanço e perspectivas (1971), considerou que os sovietes “eleitos pelas massas e responsáveis perante elas, são incontestáveis instituições democráticas, fazendo a mais resoluta política de classe no espírito do socialismo revolucionário”. (TROTSKY, 1971). Os trabalhadores e trabalhadoras criavam órgãos importantes de contra-poder e assim estabeleceram bases orgânicas para uma força revolucionária ativa e progressiva, isto colocava o proletariado como vanguarda objetivamente autônoma em combate aos limites político-sociais impostos pelo tzarismo e a burguesia. Em A revolução de 1905, Trotsky analisou que:
Depois do 9 de Janeiro a revolução demonstrou que controlava a consciência das massas trabalhadoras. A 14 de julho, por meio da insurreição a bordo do Potemkin Tavritcheski, a revolução demonstrou que podia tornar-se uma força material. Mediante a greve de outubro demonstrou que podia desorganizar o inimigo, paralisar sua vontade e reduzi-lo à mais completa humilhação. Por último, organizando sovietes de trabalhadores em todo o país, a revolução demonstrou que era capaz de criar órgãos de poder. O poder revolucionário só pode se apoiar numa força revolucionária ativa. Quaisquer que sejam os pontos de vista quanto ao desenvolvimento posterior da revolução russa, o fato é que nenhuma classe social, salvo o proletariado, mostrou-se até hoje capaz e disposta a apoiar o poder revolucionário. (TROTSKY, 1975).
Os sovietes afloram nos bairros proletários, sendo que o soviete mais importante foi o de São Petersburgo, cidade com grande concentração operária, mas sua influência direta e indireta estendia-se ainda sobre outras frações importantes do proletariado, como operários da construção, garis, trabalhadores não-profissionalizados, cocheiros etc. Também frações da classe média e da intelectualidade tornaram-se simpáticos aos sovietes. No dia 13 de outubro de 1905 foi realizada a primeira Assembléia Constituinte do Soviete de São Petersburgo. Conforme se lê em A revolução de 1905:
À primeira reunião assistiram umas poucas dúzias de pessoas; na segunda metade de novembro o número de deputados se havia elevado a 562, incluindo seis mulheres. Essas pessoas representavam 147 fábricas e usinas, 34 oficinas e 16 sindicatos. O núcleo principal de deputados - 351 pessoas - pertencia aos trabalhadores metalúrgicos, que desempenharam um papel decisivo no Soviete. Havia 57 deputados da indústria têxtil, 32 das indústrias de artes gráficas e de papel, 12 dos atendentes do comércio e 7 dos escritórios e do comércio farmacêutico. O comitê executivo agia como ministério do Soviete. Formou-se a 17 de outubro e estava composto por 31 pessoas: 22 deputados e 9 representantes de partidos (6 das duas facções social-democratas e 3 dos socialistas revolucionários). (TROTSKY, 1975).
Durante 50 dias (de 13 de outubro a 6 de dezembro de 1905) os sovietes controlam bairros inteiros. Trotsky analisando o significado dos sovietes considera que “era verdadeiramente um governo dos trabalhadores em embrião”. Isso porque: “O Soviete organizou as massas trabalhadoras, dirigiu as greves e manifestações políticas, armou os trabalhadores e protegeu a população contra os pogroms”. (Idem, 1975). Assim, esse organismo de auto-organização:
(...) Na luta pelo poder aplicou métodos naturalmente determinados pela natureza do proletariado como classe: seu papel na produção, seu amplo número, sua homogeneidade social. Mais ainda, o Soviete coordenou sua luta pelo poder como cabeça de todas as forças revolucionárias, dirigindo a atividade de classe espontânea das massas trabalhadoras de muitas maneiras diferentes; não só estimulou a organização de sindicatos, como interveio em disputas entre trabalhadores individuais e seus patrões. Precisamente porque o Soviete - o corpo democrático representativo do proletariado num momento de revolução - se situou no ponto de encontro de todos seus interesses de classe, imediatamente ficou sob a influência determinante do partido social-democrata. (TROTSKY, 1975).
As greves gerais políticas criaram fatos políticos importantes que avançaram para além do local de trabalho. Envolvendo amplas massas na cidade o proletariado auto-organiza-se em direção ao controle da produção social, buscam controlar as fábricas, o local de trabalho, e os bairros, local de residência dos trabalhadores, que em circunstancias comuns também é organizado pelas classes dominantes.
Mediante a pressão da greve o Soviete ganhou a liberdade de imprensa. Organizou patrulhas de rua regulares para garantir a segurança dos cidadãos. Em maior ou menor medida tomou em suas mãos os serviços postais e telegráficos e as estradas de ferro. Interveio com autoridade em disputa de caráter econômico entre trabalhadores e capitalistas. Realizou uma tentativa de introduzir a jornada de trabalho de oito horas mediante uma pressão revolucionária direta. Ao paralisar a atividade do Estado autocrático mediante a greve insurrecional, introduziu sua própria ordem democrática livre na vida da população urbana trabalhadora. (TROTSKY, 1975).
Centrado na organização operária de base, os sovietes constituíam o primeiro experimento democrático do proletário russo. Por meio das assembléias e plenárias como a eleição direta de delegados revogáveis, praticava-se a “democracia autêntica”. Segundo o autor:
Com o Soviete vemos pela primeira vez o aparecimento do poder democrático na história russa moderna. O Soviete é o poder organizado da própria massa sobre suas partes separadas. Constitui a democracia autêntica, sem uma câmara alta e uma câmara baixa, sem uma burocracia profissional, mas com o direito dos votantes de trocar seus deputados a qualquer momento. Através de seus membros - deputados eleitos diretamente pelos trabalhadores o Soviete exercita a liderança direta de todas as manifestações sociais do proletariado como totalidade e de seus grupos individuais, organiza suas ações e lhes proporciona um lema e uma bandeira. (TROTSKY, 1975).
Mesmo a burguesia liberal se viu obrigada a apoiar os sovietes "Colaboraram em greves e manifestações, adotaram uma atitude amistosa em relação aos revolucionários, só os criticaram morna e cautamente”. (1975). Esse apoio dura apenas até 17 de outubro. Após esta data, a burguesia busca unificar-se contra os sovietes. O patronato criou a "União Anti-Revolucionária do 17 de outubro". Porém a disposição dos Sovietes estava evoluindo em sentido contrário aos desejos da burguesia. O proletariado confiscou armas e suprimentos para sustentar os sovietes, e assim assegurar a manutenção das posições já conquistadas, de acordo com Trotsky,
Nas estações de Moscou vimos os operários tomar armas que estavam sendo transportadas para algum teatro de operações distante. Ações similares ocorreram em muitos lugares. Na região do Kuban os cossacos insurgentes interceptaram um transporte de rifles. Soldados revolucionários entregaram munições aos insurgentes, etc. (TROTSKY, 1975).
Por meio dos sovietes, o proletariado russo provou-se capaz de aglutinar em torno de si, não apenas multidões de trabalhadores das cidades, mas também camponeses e estudantes. Assim, o operariado russo se fez vanguarda sócio-política na prática. De acordo com Broué:
Para todos os social-democratas russos, a revolução de 1905 foi uma revolução burguesa quanto a seus principais objetivos, a saber, a eleição de uma assembléia constituinte e a instauração de liberdades democráticas. Porém, fica evidente que tal revolução burguesa foi levada a cabo integralmente pela classe operária, com seus instrumentos de classe, suas manifestações de rua e suas greves, sendo o resultado da insurreição dos operários de Moscou. (...). (BROUÉ, 2005, p. 77).
Isso confirmava à Lênin força do proletariado do país: "Os melhores elementos da classe operária marchavam à cabeça, arrastando os indecisos, despertando os adormecidos e galvanizando os fracos". (LENIN, 2007). No entanto, no dia 3 de dezembro de 1905 as tropas do governo cercaram uma reunião do Soviete, que resistiu durante 9 longos dias.  De acordo com Lênin, em Moscou:
(...) um pequeno número de insurrectos, operários organizados e armados – não eram mais de oito mil – resistiu durante nove dias ao governo do czar. Este não se podia fiar na guarnição de Moscou; pelo contrário, teve de mantê-la fechada, e foi só com a chegada do regimento Semionovski, chamado de Petersburgo, que pôde reprimir o levantamento. (LENIN, 2007).
A partir disto, o governo avançou progressivamente na batalha para destruição de todas as organizações revolucionárias criadas entre outubro e novembro, até a derrota da revolução. Os revolucionários sobreviventes lotaram a Prisão de Pedro e Paulo. De acordo com Serge (1993): "A primeira revolução russa custou ao povo russo cerca de 15.000 mortos, mas de 18.000 feridos e 79.000 prisioneiros. (Idem, p. 46). De acordo com o autor Serge:
A autocracia foi salva, em 1905, pelas hesitações e pelo espírito reacionário da burguesia liberal, as hesitações das classes médias revolucionárias, a inexperiência e a falta de organização do proletariado (nem nem devotamento nem a solidariedade puderam substituí-la), a fraqueza do partido proletário, o caráter elementar dos movimentos no campo, a fidelidade relativa da tropa e a intervenção do dinheiro francês. (SERGE, 1993, p. 46).
A revolução de 1905 contribuiu para dissipar ilusões do proletariado com o regime tzarista. Assim: "A derrota da primeira revolução russa estava longe de ser completa. As massas operárias e camponesas tinham perdido o respeito pela autocracia e prendido a se confrontar com a opressão". (Idem, 1993, p. 46). As experiências vividas, percebidas e compartilhadas pelo proletariado russo possibilitou um cumulo político importantíssimo tanto para o operariado como para o Partido Bolchevique.
Mesmo depois da repressão tzarista, as greves políticas continuaram eclodindo na Rússia, ainda que de forma decrescente, até 1910. Trotsky, no livro A história da Revolução Russa (2007a), reuniu dados do governo russo sobre as greves, segundo o autor, a repressão foi implacável e continua de 1905 a 1907. Com isso, o número de greves políticas diminuiu vertiginosamente até 1910. A partir deste ano inicia-se outro ciclo de massificação das greves políticas progressivo até 1914.
Trotsky considerava, que a revolução de 1905 cumpriu papel essencial para o desenvolvimento da classe operária russa e para todo o proletariado mundial. A nascente classe operária russa, que fizera sua primeira experiência política independente naquele ano ainda era muito fraca para tomar o poder, porém esta revolução teria sido um ensaio geral para a revolução de 1917. Nas palavras do autor: "O proletariado chegou ao poder em 1917 com a ajuda da experiência adquirida pela geração de 1905". (TROTSKY, 1971). Lênin expressa opinião similar em março de 1917, na primeira Carta de longe:
Sem os três anos de formidáveis batalhas de classe e a energia revolucionária do proletariado russo, em 1905-1907, seria impossível uma segunda revolução tão rápida, no sentido de ter concluído a sua etapa inicial em poucos dias. A primeira revolução (1905) resolveu profundamente o terreno, arrancou pela raiz preconceitos seculares, despertou para a vida política e para a luta política milhões de operários e dezenas de milhões de camponeses, revelou umas às outras, e ao mundo inteiro, todas as classes (e todos os partidos principais) da sociedade russa na sua verdadeira natureza, na verdadeira correlação dos seus interesses, das suas forças, das suas formas de ação, dos seus objetivos imediatos e futuros. A primeira revolução, e a época contra-revolucionária que se lhe seguiu (1907-1914), revelaram toda a essência da monarquia tzarista, levaram-na até o “último limite”, puseram a nu toda a podridão e infâmia, todo o cinismo e corrupção da corja tzarista com esse monstro, Raspútine, à frente, toda a brutalidade da família Románov (...). (LENIN, Carta I, 2005).
IMPACTOS DA REVOLUÇÃO DE 1905 SOBRE O POSDR
O Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), que em 1905 contava com cerca de 13.000 membros (SERGE, 1993, p. 46), era o partido dos marxistas russos, frente à conjuntura e o desenvolvimento social do país diagnosticava a inevitabilidade da insurgência de um processo revolucionário na Rússia tzarista.
Colocava-se ao Partido, em um marco estratégico, qual papel a revolução deveria cumprir na Rússia, e ainda, em quais alianças de classe se deveria apoiar a revolução democrático-burguesa. Três posições se chocavam dentro do Partido: a da corrente Mencheviques, a dos bolcheviques e a de Trotsky. Lembremos, conforme denotou Broué, que Trotsky, foi presidente do soviete de Petrogrado em 1905 e o único dirigente do POSDR que desempenhou papel importante na revolução de 1905. (2005, p. 79).
Para os mencheviques a burguesia liberal é que deveria dirigir a revolução, com apoio do proletariado e dos camponeses. Dever-se-ia lutar contra o inimigo comum: o tzarismo e os elementos feudais. De acordo com Deutscher, os mencheviques defendiam que, "como a revolução tinha caráter burguês, dirigida contra o absolutismo e os restos do feudalismo, e não visando o socialismo, a burguesia, e não o proletariado, era o herdeiro legitimo do poder". (DEUTSCHER, 2005, p. 149). Nesse cenário, os mencheviques, por fora do governo burguês, pressionariam para que realizasse as reformas democráticas. (BROUÉ, 2005, p. 83: DEUTSCHER, 2005, p. 149). Então, para os mencheviques, em 1905: "Os socialistas (...) não podiam participar de nenhum governo burguês, nem mesmo no governo nascido de uma revolução. Sua tarefa era defender, na oposição, os interesses da classe operária". (DEUTSCHER, 2005, p. 149).
Com isto, se poderia criar condições mais favoráveis para a luta do proletariado, nas palavras de Trotski em As três concepções da revolução russa, para os mencheviques o proletariado deveria conquistar sua "liberdade política juntamente com a burguesia liberal. Então, após muitas décadas, num alto nível de expansão capitalista, entraria no rumo da revolução socialista em conflito direto com a burguesia". (TROTSKY, 1980).
A segunda concepção sobre a revolução era a dos bolcheviques, estes recusavam firmemente admitir que a burguesia russa fosse capaz de levar a cabo a sua própria revolução, ainda, defendiam que a burguesia russa era hostil a expropriação da terra sob posse da aristocracia fundiária. Por isso, para os bolcheviques, a tarefa central era lutar por um governo de trabalhadores e camponeses que pudesse impor uma revolução democrática contra a monarquia e os resquícios feudais. De acordo com Deutscher: "Lênin concordava que a revolução era burguesa na medida em que não podia visar o socialismo. Não acreditava, porém na missão revolucionária da burguesia". (DEUTSCHER, 2005, p. 149). Lênin destacava que a burguesia liberal, uma vez chegando ao poder, não realizaria as demandas dos camponeses pobres e do proletariado industrial. Segundo Serge:
(...) Os bolcheviques censuravam seus adversários por se colocarem a reboque das classes ricas; o proletariado, diziam eles, deveria se colocar no comando da sublevação popular; a revolução burguesa somente se completaria pela "ditadura democrática dos operários e camponeses", cujas conquistas permitiriam ao proletariado caminhar, em seguida, em direção ao socialismo. A idéia central de Lênin era que não poderia mais haver uma revolução puramente burguesa, dada a existência de um proletariado numeroso, poderoso e consciente. (...). (SERGE, 1993, p. 43).
Para Lênin, apenas uma ditadura democrática do proletariado e dos camponeses possibilitaria quebrar a resistência dos nobres, da grande burguesia e do tzarismo, minando com isto as forças contra-revolucionárias, e assim, realizar transformações profundas na sociedade russa. De acordo com Trotsky: “À idéia plekhanovista de união entre o proletariado e a burguesia liberal, Lênin contrapunha a idéia de união entre o proletariado e o campesinato” (TROTSKY, 1980).
Lênin destacava que os camponeses pobres, proletários do campo, constituíam a maioria no país e viviam em condições paupérrimas, por isso eram aliados estratégicos no processo revolucionário. (LENIN, 1980: 1980b). Nesta “fórmula algébrica da revolução”, apontava que, sem dividir o poder com os camponeses, a base proletária do processo revolucionário seria muito reduzida.
A terceira concepção acerca da revolução era a de Leon Trotsky, embora considerasse que “A concepção de Lênin representava um passo formidável para frente, partindo, como o fazia, da transformação agrária e não das reformas constitucionais, como tarefa central da Revolução, indicando a única combinação realista de forças sociais capaz de levá-la a efeito”. (TROTSKY, 1980). Trotsky insistia que a revolução deveria ser realizada com a direção do proletariado, apoiado pelos camponeses. A ditadura deveria ser do proletariado, e não operária-camponesa. O proletariado deveria tomar o poder e realizar as demandas democráticas burguesas de forma permanente, transformando a revolução democrática em revolução socialista. (TROTSKY, 1980). Nesse sentido, Deutscher destacou que Trotsky:
(...) Concordava com os bolcheviques em que a burguesia russa era incapaz de liderança revolucionária e que a classe trabalhadora industrial era talhada para o papel. Foi então mais longe ainda e argumentou que a classe trabalhadora seria obrigada, pela sua supremacia política na revolução, a levar esse movimento da fase burguesa para a socialista antes mesmo que a comoção social tivesse começado no Ocidente. Seria esse um dos aspectos da "permanência" da revolução - seria impossível confinar a comoção aos limites burgueses. (DEUTSCHER, 2005, p. 195). 
Por isso, para Trotsky, apenas o "proletariado podia dar aos camponeses um programa, uma bandeira e uma direção". (TROTSKY, 2007a, p. 28). Problematizando a questão, argumentava que se deveria levar em conta: a dispersão territorial dos camponeses, sua dificuldade de auto-organização em organismos democráticos independentes dos camponeses ricos, a dependência em relação às cidades e também as relações dos camponeses a propriedade privada, como produção particularizada. Destacou que Partido Camponês, Socialista Revolucionários - SR - (1901-1923), era dirigido pelos camponeses ricos e intelectuais pequeno-burgueses.
O fato dos camponeses não se auto-organizarem também obrigava-os a seguir as classes que se auto-organizavam. Assim, necessariamente, seguiria a burguesia ou o proletariado. Os kulaks (camponeses ricos) defendiam aliança com a burguesia liberal, enquanto os camponeses pobres pautavam-se tendo como horizonte o proletariado urbano. Para Trotsky, “Nestas circunstâncias, o campesinato, como um todo, seria incapaz de empurrar as rédeas do governo”. Posto tudo isso, para Trotsky, o aliado estratégico do proletariado russo não era outro senão o proletariado europeu (confira: TROTSKY, 1971: TROTSKY, 1980). Estas três concepções da revolução russa foram postas a prova durante os processos revolucionários de 1917.

SOBRE AS REVOLUÇÕES DE 1917
Na História da revolução russa, Trotsky apontou que: "No início do sec. XX, a Rússia tinha cerca de 150 milhões de habitantes, dos quais mais de 3 milhões se concentravam em Petrogrado e Moscou". (TROTSKY, 2007a, p. 26). Essas cidades, de maior densidade operária, serão centro nervoso do novo processo revolucionário. Com o inicio da 1ª Guerra Mundial a escassez de alimentos novamente produz revolta na classe trabalhadora. Camponeses se vêem obrigados a vender suas terras e migrar para as cidades em busca de trabalho. Conforme Broué:
Com o ano de 1917, se inicia uma nova era. A guerra torna aguda, em todos os países, as contradições, afetando profundamente a estrutura política e econômica. O prolongamento da matança suscita sentimentos de rebeldia. Os jovens se sublevam contra a guerra, flagelo de sua geração, que todos os dias engole centenas deles, e este é o sentimento das famílias as quais mutila. Na Alemanha, na França na Rússia, em todos os países beligerantes, aparecem os primeiro sintomas de uma agitação revolucionária. Como o próprio Lênin havia previsto, o cortejo de sofrimentos que acompanha a guerra imperialista põe na ordem do dia sua transformação em guerra civil, inclusive quando a luta se inicia sob a bandeira do pacifismo. (BROUÉ, 2005, p. 91).
No dia 23 de fevereiro de 1917, dia da mulher, as mulheres russas vão às ruas reivindicando pão e o fim da guerra. No dia seguinte o movimento multiplica-se por dois, tomando as ruas. Estas mobilizações combinaram-se com greves operárias, sendo que no dia 25 a greve generalizou-se, 240 mil operários estão nas ruas. (TROTSKY, 2007a, p. 118). Este amplo movimento derrubou o Estado absolutista dos Romanov dirigido por Nicolau II. "No dia 25 o Partido Bolchevique chama a greve geral, mas é surpreendido por um levante armado desencadeado pelo proletariado, o partido fora arrastado pelo movimento". (TROTSKY, 2007a, p. 121). Desta forma, "A revolução de fevereiro de 1917, chamada 'insurreição anônima', foi um levante espontâneo das massas, surpreendendo a todos, inclusive os bolcheviques". (BOUÉ, 2005, p. 93).
No dia 26, um domingo, o operariado marchou das periferias para o centro. A polícia abre fogo contra as mobilizações assassinando 40 pessoas. Isso gera revolta dentro do exército, parte dos soldados decidem unirem-se aos operários. No dia 27 de outubro uma multidão liberta os presos políticos de vários cárceres da capital russa. A revolução de fevereiro tinha Petrogrado como centro, mas o restante da Rússia aderia à ação. Depois de tomar Petrogrado e Moscou, a revolução segue conquistando outras cidades no mês de março. (TROTSKY, 2007a, p. 135).  De acordo com Serge:
A revolução surge nas ruas, descendo das fábricas com milhares de operários grevistas, aos gritos de "Queremos pão! Queremos pão!". Impotentes, as autoridades os viam chegar. Evitar a crise não estava ao alcance. A confraternização das tropas com as manifestações operárias nas ruas de Petersburgo levou a cabo a queda da autocracia (25-27 de fevereiro de 1917). A rapidez dos acontecimentos surpreende as organizações revolucionárias, embora tenham estado trabalhando em sua preparação. (SERGE, 1993, p. 52).
O proletariado russo, que já era portador das experiências de 1905 e das greves políticas radicalizadas que eclodiram de forma crescente desde 1914, afirma-se como poderoso sujeito político coletivo, capaz de varrer a velha ordem tzarista. Conforme sintetizado por Trotsky:
Surgindo "espontaneamente" da indignação universal, de protestos, manifestações, greves e lutas de rua dispersas, uma insurreição pode arrastar parte do Exército, paralisar as forças do inimigo, e derrubar o antigo poder. Num certo grau, foi isto que aconteceu em fevereiro de 1917 na Rússia. (TROTSKY, 2007a, p. 932).
A burguesia e seu parlamento (Duma), não sabiam como agir, ficaram atônitos sem controle da situação, não sabiam quem deveria assumir o poder. A solução foi um governo de coalizão, hegemonizado pela burguesia liberal articulada com os Mencheviques, Socialistas Revolucionários (SR) e cadetes. De acordo com Trotsky: "A Revolução de Fevereiro danificara consideravelmente o antigo aparelho, e essa herança o Governo Provisório era incapaz de renovar ou revigorar". (TROTSKY, 2007b, p. 106). Segundo Deutscher:
(...) A revolução começara onde se detivera em 1905, mas seu ponto de partida ficara muito para trás. O tzar e os ministros ainda eram prisioneiros do Estado, mas para a maioria de seus antigos súditos representavam apenas fantasmas de um passado remoto. Os esplendores, terrores e fetiches seculares da monarquia pareciam ter desaparecido como a neve do último inverno. (DEUTSCHER, 2005, p. 309).
Frente ao Governo Provisório, os operários e camponeses pobres, sujeitos insurretos, continuavam apartados do poder de decisão político e econômico. Assim, não aceitaram a consolidação da democracia burguesa pactuada em 6 de maio. Conforme registrou Serge:
Um ministério de coalizão (burgueses liberais-cadets-encheviques, socialistas-revolucionários), presidido por Kerenski. formava-se no princípio de maio. Seu programa resume-se em duas palavras: democracia e constituinte. Revela-se impotente para combater a crise econômica, pois para isso  seriam necessárias medidas enérgicas que não se podem tomar sem prejudicar a burguesia. (SERGE, 1993, p. 53).
A revolução de fevereiro derruba a monarquia, mas o mesmo tempo, essa mesma revolução recusa-se a submeter-se a burguesia liberal. Por sua vez, o proletariado novamente faz dos sovietes uma forma de governo paralelo. Por meio dos conselhos estabelece-se novamente um duplo poder na Rússia, sovietes operários convivem ao lado do parlamento burguês-liberal. No entanto, "Os mencheviques e os socialistas revolucionários (S.R) ostentam a maioria nos primeiros sovietes e no primeiro congresso pam-russo". (BROUÉ, 2005, p. 93).
Os Mencheviques, para compor o governo Provisório, mudaram sua concepção em relação à posição de 1905, quando ficaram fora do governo, como oposição, pressionando para a realização das demandas democráticas do proletariado e dos camponeses. Em 1917, compõem o governo provisório em conjunto com os liberais constitucionalistas, mesmo sabendo que o Governo Provisório apoiava-se em aliança com as potencias imperialistas do eixo Inglaterra-França contra Alemanha. De acordo com análise de Broué, os Mencheviques:
(...). Em conformidade com suas análises, não buscam lutar pelo poder. Em sua opinião, somente um poder burguês pode ocupar o lugar do czarismo, convocar eleições para a assembléia constituinte e negociar a paz democrática sem anexações. Ao seu ver, os sovietes foram o instrumento operário da revolução democrático-burguesa e, na república burguesa devem continuar constituindo posições da classe operária. Contudo, não consideram em absoluto a possibilidade de exigir um poder para o qual a classe operária ainda não está capacitada para exercer e que, segundo eles, deverá exigir posteriormente para si, conforme as exigências de uma revolução espontânea que os socialistas devem tomar cuidado de "forçar". Lênin resumirá tal atitude como se equivalesse de fato a uma "entrega voluntária do poder de estado à burguesia e a seu governo provisório". (BROUÉ, 2005, p. 94).
Os bolcheviques recusaram-se a participar do Governo Provisório. Lênin, em 7 de março de 1917, exilado na Alemanha, por meio das Cartas de longe, era enfático “Quem diz que os operários devem apoiar o novo governo no interesse da luta contra a reação do tzarismo (...) é um traidor dos operários, um traidor à causa do proletariado, à causa da paz e da liberdade”. (LENIN, 2005). Defendia que o Partido Bolchevique não deveria participar nem apoiar o Governo Provisório, nas palavras do autor:
(...) não são os operários que devem apoiar o novo governo, mas este governo que deve “apoiar” os operários! Pois a única garantia de liberdade e da destruição do tzarismo até ao fim é armar o proletariado, é consolidar, alargar, desenvolver, o papel, a importância e a força do Soviete de Deputados Operários. (LENIN, 2005).
Tendo como norte a fórmula algébrica de Lênin de 1905, de ditadura democrática dos operários e dos camponeses, o Partido Bolchevique reivindicava em 1917, a constituição de um regime democrático, dirigido por uma aliança entre o proletariado e os camponeses para realizar as demandas democráticas. No entanto, a partir de 13 de março, sob diretivas de Stalin e Kamenev, os bolcheviques adotam "a tese dos mencheviques segundo a qual é preciso que os revolucionários russos prossigam na guerra para defender suas recentes conquistas democráticas da agressão do imperialismo alemão". (BROUÉ, 2005, p. 95). Para Stalin, a função dos sovietes, naquele momento, era apoiar o governo provisório. (Idem). Porém, para Lênin, tratava-se de lutar pela tomada do poder pelo proletariado.
(...) Desde que recebeu as primeiras notícias da Rússia, Lênin ficou muito alarmado pelos indícios de conciliação que observa na política bolchevique. Desde Zurique dirige quatro cartas ao Pravda - as chamadas "Cartas de longe"- nas quais afirma que é necessário constituir uma milícia operária cuja missão haverá de ser converter-se em órgão executivo do soviete, ademais a que preparar de imediato a revolução proletária, denunciar os tratados de alianças com os imperialistas, negar-se frontalmente a cair nas armadilhas do "patriotismo" e tratar de conseguir a metamorfose da guerra imperialista em guerra civil. Somente a primeira das quatro cartas será publicada, pois os dirigentes bolcheviques, assustados pelo caráter radical deste ponto de vista preferem supor que Lênin está mal informado. A única solução que lhe resta é voltar à Rússia por qualquer meio para convencer seus companheiros. (BOUÉ, 2005, p. 96).
Na terceira carta de longe (11 de Março de 1917), Lênin afirmou que a revolução começou como democrático-burguesa e que só o proletariado poderia conduzi-la ao socialismo (transcrescimento da revolução). Nas palavras do revolucionário:
(...) a revolução de Fevereiro-Março foi apenas a primeira etapa da revolução. A Rússia atravessa um momento histórico peculiar de transição para a etapa seguinte da revolução ou, segundo a expressão de Skóbelev, para a ‘segunda revolução’. (LENIN, Carta III, 2005).
 Apenas a direção do proletariado poderia realizar as demandas históricas do povo russo, por isso, tratava-se de lutar pela construção do governo proletário “A república proletária, apoiada pelos operários agrícolas e pela parte mais pobre dos camponeses e dos citadinos, é a única que pode assegurar a paz, dar o pão, a ordem, a liberdade”. (LENIN, Carta II, 2005). Desta forma, segundo Broué: "O retorno de Lênin, no dia 3 de abril, vai alterar profundamente a situação nas fileiras bolcheviques e, mais adiante, no processo revolucionário". (p. 96). Com sua chegada à Rússia, ao invés de se apoiar o governo provisório, o Partido passou a defender uma revolução proletária.
Para o revolucionário russo, se o proletariado estivesse organizado de forma estruturada, não teria sido possível nem a ascensão ao poder pela burguesia após a revolução de fevereiro e formação do governo burguês. Se estivesse suficientemente organizado, o poder já estaria nas mãos do proletariado. Nas Teses de abril, Lênin enfatiza:
A peculiaridade do momento atual na Rússia consiste na transição da primeira etapa da revolução, que deu o poder à burguesia por faltar ao proletariado o grau necessário de consciência e organização, para a sua segunda etapa, que deve colocar o poder nas mãos do proletariado e das camadas pobres do campesinato. (LENIN, 2005).
Dois elementos convenceram Lênin que a ditadura deveria ser do proletariado, mas com apoio dos camponeses: o desenvolvimento da guerra e os sovietes de deputados operários. Estes elementos transformaram a luta democrática em luta socialista, segundo conceito de Lênin houve o transcrescimento da revolução democrática em revolução socialista. A revolução democrática, protagonizada pelo proletariado urbano, deu inicio a uma revolução socialista. Nesse sentido, a revolução democrática foi fundida com a luta pela revolução socialista. Desta forma, Lênin fizera dois movimentos: 1) convencer o Partido Bolchevique a mudar sua atuação, pois era preciso ter claro que apenas o operariado poderia realizar a revolução burguesa por meio de uma ditadura proletária. 2): convencer o proletariado a tomar o poder e estabelecer um governo proletário.
Buscando dissipar qualquer esperança do proletariado com o Governo Provisório, Lênin ataca-o firmemente, enfatizando que este “não pode dar ao povo nem paz, nem pão, nem liberdade”. O Governo Provisório não pode assegurar a paz, pois não rompe nem com a monarquia nem com a guerra, defende que a guerra é a forma de assegurar as conquistas da revolução proletária de fevereiro. Para Lênin, o proletariado que tivera papel central durante a revolução de fevereiro, ainda não havia esgotado suas forças revolucionárias, porém se seguissem os mencheviques e Socialistas Revolucionários, aceitando o governo burguês de coalizão, perder-se-ia todo o ascenso revolucionário. Na primeira carta de longe (7 de março) firmava que:
(...) “a palavra de ordem”, a “tarefa do dia”, neste momento, deve ser: operários, vós realizastes prodígios de heroísmo proletário e popular na guerra civil contra o tzarismo, deveis agora realizar prodígios de organização proletária de todo o povo para preparar a vossa vitória na segunda etapa da revolução. (LENIN, 2005).
Para a tomada do poder das mãos do Governo Provisório e consolidação do Estado Operário, o proletariado tinha dois aliados: os camponeses pobres e o proletariado internacional. Nas palavras do autor:
Com estes dois aliados, o proletariado pode avançar e avançará, utilizando as particularidades do atual momento de transição, à conquista primeiro da república democrática e da vitória completa dos camponeses sobre os latifundiários, em lugar da semimonarquia de Gutchkov e Miliukov, e depois para o socialismo, o único que dará aos povos exaustos pela guerra, a paz, o pão e a liberdade. (LENIN, Carta III, 2005).
Na segunda Carta de longe (9 de março de 1917), Lênin defende o armamento do proletariado como forma de assegurar as conquistas da revolução de fevereiro e a marcha para o governo operário. Era necessária:
(...) a criação de uma milícia de todo o povo, dirigida pelos operários, que é a palavra de ordem correta do dia, que corresponde às tarefas táticas do peculiar momento de transição que a revolução russa (e a revolução mundial) está a atravessar, e por outro lado que para o êxito desta milícia operária ela deve ser, em primeiro lugar, de todo o povo, de massas até ser universal, abarcar realmente toda a população de ambos os sexos apta para o trabalho: em segundo lugar, ela deve passar à combinação de funções não apenas policiais, mas estatais gerais, com funções militares e com o controle da produção e distribuição social dos produtos. (LENIN, Carta II, 2005).
Havia de se criar uma forma de governo baseada na participação direta do operariado a partir dos sovietes, com apoio dos camponeses. O Partido bolchevique não estava seguro que o proletariado pudesse sustenta-se no poder, mas Lênin insiste. Segundo Serge:
Chegando a Petrogrado a 3 de abril de 1917, Lênin, após haver retificado a posição política  do órgão central do partido, define em seguida os objetivos do proletariado e recomenda incansavelmente aos militantes a conquista, por persuasão, das massas operárias. (SERGE, 1993, p. 59).
Nesse dia, ainda na estação de trem, Lênin discursa em defesa da revolução socialista e contra o governo provisório. Conforme escreveu Trotsky em Lições de outubro: "O discurso de Lênin na estação Finlândia sobre o caráter da Revolução Russa foi como uma bomba para muitos dirigentes do Partido". (TROTSKY, 2007b, p. 49).
Nas Teses de abril (7 de abril de 1917), Lênin afirmava que a luta deveria ser pela “passagem do poder para as mãos do proletariado e dos setores pobres do campesinato que a ele aderem”. Sua síntese ficou gravada na história “todo o poder aos sovietes!”. (LENIN, 2005). Além da luta irredutível contra o defensismo e os defensistas, suas teses preconizavam: "conquista da maioria nos sovietes; derrubada, por seu intermédio, do Governo Provisório; política revolucionária de paz; programa de revolução socialista no interior e de revolução internacional no exterior. (TROTSKY, 2007b, p. 52). Na perspectiva de Lênin, para se atuar de forma precisa durante este período, era necessário, conforme o item 4º da Teses de abril:
Reconhecer o fato de que, na maior parte dos Sovietes de deputados operários, o nosso partido está em minoria, e, de momento, numa minoria reduzida, diante do bloco de todos os elementos oportunistas pequeno-burgueses, sujeitos à influência da burguesia e que levam a sua influência para o seio do proletariado, desde os socialistas-populares e os socialistas-revolucionários até ao CO (TchkheídzeTseretéli, etc), Steklov, etc. (LENIN, 2005).
Além disso, a atuação do Partido Bolchevique nos sovietes, mesmo em minoria, deveria ter um caráter educativo, para que o proletariado tirasse lições qualitativas para a nova fase que se abria, nas palavras de Lênin nas Teses:
Enquanto estivermos em minoria, desenvolveremos um trabalho de crítica e esclarecimento dos erros, defendendo ao mesmo tempo a necessidade de que todo o poder de Estado passe para os Sovietes de deputados operários, a fim de que, sobre a base da experiência, as massas se libertem dos seus erros. (LENIN, 2005).
O Partido Bolchevique deveria tomar como tarefa "desmascarar" o Governo Provisório e “explicar a completa falsidade de todas as suas promessas, sobretudo a da renúncia às anexações. Desmascaramento, em vez da "exigência" inadmissível e semeadora de ilusões de que este governo, governo de capitalistas, deixe de ser imperialista”. (LENIN, 2005).
Em síntese, as propostas centrais das teses de Lênin consistiam em: transformar a 1ª Guerra Mundial numa guerra do proletariado internacional contra a burguesia, com renúncia das anexações; tomada do poder pelo proletariado seguida pelos camponeses; armamento geral do povo; criação de um exercito proletário a partir dos sovietes; supressão da policia e do funcionalismo público; confiscação das terras dos latifundiários com conseqüentes nacionalização das terras e criação de Sovietes de deputados dos camponeses pobres, e, por fim, a fusão de todos os bancos do país num banco nacional único e introdução do controle por parte dos Sovietes de Deputados Operários. Era um programa transicional para superar o governo provisório de forma progressiva.
As Teses de Lênin conquistam cada vez mais adeptos, em maio um terço dos sovietes de Petrogrado passa a compor o Partido Bolchevique. (TROTSKY, 2007a). Cabe destacar que, em meio a efervescência política daqueles meses, "Desde 15 de maio, o Soviete de Kronstadt se recusava a reconhecer o governo provisório". (SERGE, 1993, p. 55). A perspectiva de Lênin provava-se acertada, pois o governo provisório além de manter as anexações, em junho, avança contra o proletariado:
(...) [O governo provisório] Cede à pressão dos aliados e desencadeia a ofensiva de 18 de junho, carnificina inútil e que só poderia ter sido inútil. Recusa autonomia a Finlândia e se desagrega em função da questão da autonomia da Ucrânia: ministros burgueses são demitidos. Kerenski monta um novo gabinete, onde a influência dos cadets, decididos a sabotar a revolução, é muito mais forte ainda... Esse remanejamento ministerial ocorre durante os tumultos de junho, prólogo da insurreição de outubro. O proletariado e a guarnição militar já não suportam mais as comédias ministeriais. "Todo poder aos sovietes". (SERGE, 1993, p. 53).
De mês a mês, intensificam-se os enfrentamentos do proletariado com o governo provisório e sua base de apoio. O Partido Bolchevique expande sua influência nos Sovietes das cidades e nas forças armadas, conquistando finalmente a posição de maioria. Este passou então de um partido com cerca de 14.000 militantes em fevereiro para mais de 200.000 membros em outubro. Ainda, "Em abril o Partido contava com 72 organizações, num total de 80.000 membros. Em fins de julho, seus efetivos atingem 200.000 filiados, agrupados em 162 organizações". (SERGE, p. 58). Em junho havia mais de 50 sindicatos em Petrogrado, totalizando mais de 250 mil filiados, dentre estes 80 mil eram bolcheviques. (TROTSKY, 2007a). Além disso, contava ainda com uma multidão de simpatizantes diretos, que seguia a risca as políticas e estratégias deliberadas pelos sovietes e pelo partido. Neste contexto, conforme destacou Serge: "No princípio de outubro, a insurreição surgia por todos os lados, espontaneamente: os tumultos no campo se estendiam pelo país inteiro". (SERGE, 1993, p. 56).
A influência menchevique e dos Socialistas Revolucionários (SR) é suplantada pela bolchevique, que passa a contar com 240 mil membros em outubro de 1917. (TROTSKY, 2007a, p. 720). Conforme Serge: "A 31 de agosto em Petrogrado, e a 6 de setembro em Moscou, as moções bolcheviques apresentadas nos sovietes obtêm, pela primeira vez, a maioria. A 25 de setembro, Trotsky é eleito presidente do Soviete de Petrogrado".  (SERGE, 1993, 56). Neste ínterim, a crise político-econômica intensifica-se crescentemente, segundo Deutscher:
Em princípios de outubro a crise chegara a um novo auge. O caos econômico agrava-se. O abastecimento das cidades entrou em colapso. Em grandes áreas, os camponeses estavam ocupando as propriedades da nobreza e queimando suas mansões. O Exército sofreu novas derrotas. A Marinha alemã estava ativa no golfo da Finlândia. Por um momento, a própria cidade de Petrogrado parecia exposta a um ataque alemão. Os departamentos dos governos e círculos militares e comerciais eram pela evacuação da cidade e transferência do governo para Moscou (...). (DEUTSCHER, 2005, p. 359).
Neste contexto, "No dia 9 [de outubro], Trotsky consegue que o soviete de Petrogrado resolva pela formação do comitê militar revolucionário, chamado a constituir-se em estado-maior da insurreição". (BROUÉ, 2005, p. 112). Na sequência, no dia 10 de outubro de 1917, Lênin convence o comitê central do Partido a decidir pela tomada do poder por meio de uma revolução armada. Kamenev e Zivoviev são os únicos que votam contra. (BROUÉ, 2005: DOUTSCHER, 2005: TROTSKY, 2007). Trotsky, que participou desta reunião decisiva, relatou em A revolução de outubro que: "foi adotada a resolução que declarava que o único meio de salvar a revolução e o país da catástrofe final era uma insurreição revolucionária que passasse todo o poder para as mãos dos sovietes". (TROTSKY, 2007, p. 60). No dia 22 de outubro assistiu-se a uma parada do Exército Proletário pelas ruas: "Tudo ocorreu bem. Malgrado todos os avisos da direita de que um rio de sangue tomaria as ruas, as massas populares vinham em grande número para as reuniões do Soviete de Petrogrado". (Idem, p. 75).
Todos os oradores haviam sido postos em ação. Todos os estabelecimentos públicos estavam lotados. As reuniões duravam horas, sem interrupção. Entre os oradores havia membros do nosso partido, os delegados do Congresso dos Sovietes, representante do front, socialistas revolucionários de esquerda e anarquistas. Todos os prédios públicos foram inundados por um mar de operários, soldados e marinheiros. Reuniões como essas, mesmo durante a revolução, raramente haviam ocorrido em Petrogrado. (TROTSKY, 2007, p. 75).
Neste contexto, "Em 23 de outubro o Comitê Revolucionário Militar tinha pronto um plano detalhado das operações (...). Previa uma ocupação rápida, por destacamentos escolhidos, em todas as posições estratégicas na capital". (DOUTSCHER, 2005, p. 396). As maiores cidades operárias da Rússia, Petrogrado, Moscou, Viborg juntamente com os marinheiros de Kronstadt não querem mais esperar. Assim, quando os membros do Comitê Revolucionário Militar "inspecionaram pela última vez a disposição das forças, tiveram a certeza de que poderiam derrubar o governo com um simples empurrão - tão esmagadora era a superioridade das forças que apoiavam o soviete". (Idem, p. 369-370). No dia 24 de outubro "Os marinheiros e a guarda vermelha ocuparam, com pequenos contingentes, o telégrafo, os correios e outros serviços públicos. Começaram os preparativos para tomar o Banco do Estado. (TROTSKY, 2007, p. 80). No mesmo dia:
(...) nos quartéis, se distribuem armas a todos os destacamentos operários. Durante a tarde, os marinheiros de Kronstadt chegam a Petrogrado; do Smolny, sede do comitê, partem destacamentos que vão ocupar todos os pontos estratégicos da capital. (BROUÉ, 2005, p. 115).
O Palácio de Inverno foi tomado no dia 25 de outubro, desta ação "participaram 25 ou 30 mil homens". (TROTSKY, 2007a). Neste dia, "desde o amanhecer, os regimentos dos bolcheviques e milícias vermelhas começam a cercar o Palácio de Inverno, sede do ministério de Kerenski". (SERGE, 1993, p. 74). Segundo Doutscher: "Trotski ordenou que o cruzador Aurora entrasse em ação, bombardeando o palácio com tiros de festim: isso deveria ser suficiente para provocar a rendição do governo". (DOUTSCHER, 2005, p. 376). Assim, "depois de algumas salvas de tiros disparadas pelo cruzador 'Aurora'. A insurreição triunfou". (BROUÉ, 2005, p. 116). (Confira também: REED, 1986). Durante a tomada do Palácio morreram 15 pessoas.
            Assim, a revolução de outubro teve conteúdo qualitativamente distinto da insurreição de fevereiro, pois foi uma insurreição dirigida e organizada por um partido operário marxista revolucionário, que conquistou, por meio de lutas diretas, a confiança da maioria dos sovietes, que havia se disseminado pela Rússia, fazendo avançar a revolução de fevereiro. Com a derrubada de Kerensky, por meio dos sovietes nasce um Estado da classe operária apoiado nos camponeses e nos soldados.
A TOMADA DO PODER É SÓ UM DÉCIMO DA REVOLUÇÃO
Em dezembro de 1917, o II Congresso dos Sovietes aboliu a propriedade privada dos grandes latifúndios. Os comitês de fábricas e os comitês operários, com mandatos revogáveis pela base, geriam a produção. Em 1918 é decretada a expropriação da propriedade burguesa, com isso a burguesia é suplantada como classe.
Porém a burguesia e os latifundiários, por meio do exército branco restauracionista e suas nações aliadas não mediriam esforços ou custos humanos para depor o proletariado do poder, neste foi iniciada a Guerra civil no país, um verdadeiro enfrentamento armado entre o proletariado e a burguesia. Esta se estendeu por quatro longos anos (1918-1921). Sob o comunismo de guerra intensificou-se o ritmo de trabalho no país, tencionaram-se para produzir ao máximo para suprir com alimentos os soldados que combatiam contra os exércitos que invadiam a Rússia. A guerra civil teve como consequência a eliminação de grande parte da vanguarda revolucionária operária e marxista do país.
Os desafios internos e externos para sustentar as conquistas de 1917 eram imensos, bem porque esta era a primeira revolução socialista da história da humanidade. A tomada do poder foi apenas o inicio do processo, agora tratava-se de extingui-lo para construção do socialismo.
V. I. Lenin e Leon Trotsky sabiam que para revolução proletária triunfar, estabelecer o socialismo e marchar para o comunismo era necessário que a revolução se espalhasse pelo mundo, sabiam então da importância da revolução na Alemanha. Porém a posição revolucionária fora traída na Alemanha em 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht teóricos e dirigentes revolucionários foram assassinados. Assim, a derrota da revolução no Ocidente (Alemanha e Hungria) e na China (1925-1927), isolou a revolução russa.
Lênin compreendia que, para que a humanidade desse um salto na direção de sua emancipação e na construção do socialismo, como uma sociedade baseada na auto-organização das capacidades humanas como forças próprias, ou controle coletivo livre, autoconsciente e universal dos trabalhadores sobre o processo de produção/organização da vida, a revolução proletária não poderia limitar-se a um país só.
Para superar o capitalismo e marchar para o socialismo era necessária a auto-organização permanente e cada vez mais profunda dos trabalhadores. A hegemonia deveria vir dos locais de trabalho. A atividade consciente de auto-organização e assim organização social geral, como atividade auto-determinada dos trabalhadores e camponeses, com necessário domínio político pleno e auto-governo, eram imprescindíveis para a criação de novas relações sociais livres e iguais, e para preparar a abolição do Estado e a própria suprasunção da política como forma de mediação das relações sociais. Porém só a difusão desta forma auto-organizada dos trabalhadores em nível mundial, para todos os países é que pode produzir condições materiais efetivas para consolidação do socialismo.
Também é clássica a afirmação feita por Trotsky no livro A revolução traída sobre o caráter e limitações do Estado operário “A princípio, o Estado operário não pode ainda permitir a cada um trabalhar ‘segundo suas as capacidades’, o que significa fazer o que quiser e puder, nem recompensar cada um ‘segundo as suas necessidades’, independentemente do trabalho fornecido. O interesse do crescimento das forças produtivas obriga a recorrer às habituais normas do salário, isto é, à repartição de bens segundo a quantidade e a qualidade do trabalho individual” (TROTSKI, 2006, p. 35). Assim, para o autor a União Soviética era uma sociedade intermediária entre o capitalismo e o socialismo. (p. 176).


REFERÊNCIAS
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